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Estudo Clínico: Cliente Oral de Lowen

Identificação: rapaz de vinte e tantos anos.
Queixa Principal: procurou terapia devido à persistência de períodos de acentuada depressão.

Outras Queixas: além das freqüentes depressões, tinha uma dificuldade considerável em fixar-se no emprego.

Relato do Terapeuta:
Quando me consultou pela primeira vez estava sem trabalho, de modo que o tratamento ficou condicionado a obtenção de um emprego. Sua carteira de trabalho mostrava uma sucessão de serviços, em nenhum dos quais permaneceu por mais de seis meses. Não tinha profissão definida, nem qualquer habilidade ou treino numa área particular.

Quando indaguei na primeira entrevista, a respeito de sua atitude perante o trabalho, mostrou-se muito relutante em aceitar a necessidade de trabalhar. Tendo em vista esta atitude ser característica do oral, desafiei-o perguntando-lhe se achava que o mundo lhe devia proporcionar seu sustento. Disse que sim, sem a menor hesitação.

Não se pode argumentar contra tal crença, já que traduz um sentimento interno de privação. O indivíduo que tem uma atitude como esta, age como alguém que acredita ter sido despojado de seu direito de berço e levará a vida tentando recuperar a herança. No máximo, pode-se apenas provar sua impraticabilidade.

Concordei com ele quanto a ter sido enganado e ofereci-lhe minha ajuda. Esta tomou a forma de uma declaração, escrita numa folha em branco de receituário e segundo a qual, o portador estava apto a reclamar o seu sustento em qualquer banco ou agência de seguros, nos Estados Unidos. Assinei o seu nome e entreguei-lhe a folha. Então ele sorriu. Compreendera que, não importava quanto julgasse justa sua exigência, ela jamais poderia ser realizada. Concordou em procurar um emprego.

A terapia teve início dois meses depois. Meu cliente havia encontrado emprego como gerente de produção numa pequena indústria. Era a primeira posição que ocupava envolvendo responsabilidade e autoridade sobre os outros. Pela primeira vez estava ao lado da gerência, na luta trabalhista. Mas seu serviço não era fácil. Devia estar na fábrica às oito horas da manhã e freqüentemente tinha que ficar lá até que a quota do dia estivesse cumprida. Não demorou muito para começar a reclamar da torturante natureza do seu trabalho. Ficava cansado à noite. Fazia um esforço tremendo para levantar-se todas as manhãs a fim de chegar a tempo ao trabalho. Mas admitia que se sentia melhor do que há muitos anos e não sofrera qualquer ataque de depressão.

História Familiar:
Era o filho mais velho de três irmãos, numa família onde as desavenças eram freqüentes. Embora seu pai fosse um artesão independente, com seu próprio negócio, o rendimento mensal familiar era pouco mais do que o suficiente para cobrir os gastos essenciais Um dos irmãos mais novos sofria de uma condição reumática no coração.

Eis a seguir a descrição familiar: seus pais se odiavam. Sentia que sua mãe era uma mulher fraca que tentava depender dele. Ressentia-se de seu desamparo. Seu pai tinha momentos de uma raiva violenta, mas mostrava em geral, pequeno interesse pela família. Lembra-se de que, quando criança, tinha medo do pai. Não sentia ter recebido amor de nenhum dos dois. Caracterizava a atitude de sua mãe como “compreensiva”. Achava que ambos não tinham a menor personalidade. Odiava o pai e sempre desprezara sua mãe. Uma de suas lembranças mais antigas era a de estar deitado no berço, chorando amargamente. Seu pai debruçava-se sobre ele com uma expressão severa e gesticulava indicando sua desaprovação. Seu dedo indicador em riste, sacudindo à frente da criança, enquanto dizia: “pshsh, pshsh”. “Você não deve fazer qualquer barulho”.

História Pessoal: antecedentes físio-patológicos e de personalidade:
Passou pelas doenças infantis comuns. Interessava-se pouco pelos esportes e atividades atléticas, mas lia bastante. Sofria de inabilidade de concentrar-se nos estudos, embora recebesse boas notas Terminou o colegial e freqüentou a Universidade durante um ano. Aos 18 anos saiu de casa e abandonou a faculdade para viver com a moça que se tornaria sua esposa. Declarou que não sabia o que fazer, ou melhor, que não tinha ímpeto para fazer nada. Sua carreira limitava-se a uma sucessão de estranhos empregos, entremeados por períodos de desemprego. A vida conjugal não era totalmente bem sucedida. Sua esposa estava à mercê de seus períodos de depressão. Estiveram separados durante aproximadamente um ano, mas haviam se reconciliado antes que a terapia tivesse iniciado.

Dois períodos de sua vida evidenciam-se em sua memória. Aos 11 anos de idade, lembra-se de que era muito agressivo com as meninas. Esta atitude era revidada com repulsa e, a partir de então, tornou-se “alienado”. Aos 15 anos, juntou-se a um grupo de jovens socialistas e mais tarde a um grupo anarquista. Pode-se subentender que nestes grupos realizou suas primeiras identificações sociais.

Em resposta à minha pergunta, disse que os sentimentos mais marcantes no começo de sua infância eram: desapontamento e solidão. Da adolescência em diante, sofrera dores de cabeça severas e náuseas (provavelmente enxaquecas), relacionando-as ao sentimento de desamparo.

Anteriormente a esta terapia, havia estado com vários analistas diferentes, por períodos que não excediam a seis meses. Um deles, segundo me falou: “me despedaçou”. Isto aconteceu quando o analista pintou para o cliente, o quadro verdadeiro de seu ego, ao mesmo tempo em que ria de bom grado.

Em momentos de elação, comportava-se como se fosse uma pessoa de certa importância. Não hesitava em vangloriar-se de suas habilidades, as quais não tinham qualquer relação com seus feitos reais. Como resultado da deflação do seu ego, desenvolveu sintomas de diarréia, indigestão, insônia e cefaléias. Sentia ter recebido pouca ajuda dos demais analistas.

Leitura Corporal:
Tinha um corpo bem desenvolvido, um pouco mais alto do que a média e bem proporcional. O maior problema de seu físico era um esterno afundado e costelas inferiores pronunciadas, o que lhe conferia uma aparência de peito de frango. Os músculos peitorais eram proeminentes e pareciam superdesenvolvidos. Os ombros eram erguidos. O pescoço, mais fino do que se esperaria para seu tipo de corpo. Cabeça e rosto tinham feições regulares sem distorções óbvias. O diafragma era a causa das costelas inferiores serem mais pronunciadas. Na porção inferior do tórax o abdômen era liso e parecia não ter volume. As pernas não pareciam ser demasiado fracas.

Os movimentos respiratórios se limitavam ao peito que parecia móvel. Os ombros, contudo, não participavam destes movimentos. A inspiração e a expiração não envolviam de modo visível o abdômen. O diafragma era mantido na sua posição retraída. Uma extensão mais forte dos braços produzia acentuados tremores nos ombros, cabeça e pescoço.

Trabalho Terapêutico:
Na fase inicial da terapia, concentrei-me no problema de suas tensões musculares específicas, ao mesmo tempo em que debatíamos o tema “trabalho”, como uma necessidade na vida de um homem em termos de suas experiências cotidianas.

As primeiras sessões de terapia foram caracterizadas analiticamente pela necessidade de produzir um certo equilíbrio, de um lado entre as reivindicações de seus direitos, que fazia baseado numa avaliação de suas habilidades e, de outro, a recompensa baseada na produtividade.

As sessões terapêuticas aconteciam uma vez por semana, durante uma hora. Cada hora se iniciava pela reafirmação de quão bom ele era e quão pobremente era apreciado. Sua fala era fluente e bem escolhidas as palavras. Criticava o relacionamento patrão-empregado, bem como analisava seu patrão. Não tinha empatia, no entanto, pela luta envolvida na tentativa de desenvolver uma pequena empresa. Mostrava um narcisismo exagerado além de falta de consideração pelos problemas dos outros.

No momento de socar o divã, era claramente discernível em sua face uma expressão de raiva, estando os dentes cerrados, as narinas levantadas e os olhos dilatados. No entanto, os socos não tinham força e o paciente pulava todas as vezes em que desfechava um murro. Os braços, ombros e o corpo se moviam como uma peça única, como se tivessem sido congelados em conjunto. Era-me evidente sem dúvida que um anel de tensão extremamente forte circundava o corpo na altura da cintura escapular. Este se namifestava principalmente na tensão dos músculos peitorais.

Embora fosse fácil suscitar sua raiva, através dos socos, a emoção não demorava muito. Depois de alguns movimentos ele ficava sem fôlego, arquejante e cansado. Não era incomum que os murros eliciassem sentimentos de desamparo e terminassem em choro.

Semana após semana, a despeito de seus ressentimentos e queixas, sentia-se melhor trabalhando, do que antes.

A terapia física que atenuava as tensões, melhorou sua respiração e aumentou seu potencial energético de modo incomensurável. A esse respeito era uma pessoa bastante cooperativa e socava o divã regularmente até perder o fôlego. Aos poucos aumentou sua capacidade vital e pôde manter uma atividade contínua por períodos de tempo mais longos.

Sentia que devia encontrar uma nova companheira. Sua esposa não lhe proporcionava o suficiente. Isto lhe era fácil, uma vez que seu casamento era bastante frágil e não havia filhos. Cada novo “caso” era vivido com excitação e entusiasmo. No entanto, nenhum dos seus vários relacionamentos durou. O cliente percebeu que o problema estava nele.

Durante o primeiro ano de trabalho teve vontade de abandoná-lo. Sentia-se mal remunerado e que não era devidamernte apreciado. Manteve-se no emprego porque sabia que era o melhor que já havia conseguido. Além disso, estava aceitando o fato de que devia trabalhar e queria provar que podia segurar um emprego durante pelo menos um ano.

Um dia descobriu que sua esposa estava apaixonada por outro homem. Isso lhe provocou um acesso de fúria desproporcional aos sentimentos que nutria por ela. Queria matar o amante da esposa. Seu ódio o havia fortalecido mas ele não sabia o que fazer com tal sentimento. Trabalhamos a compaixão por sua esposa e o amante dela. Levamos várias sessões discutindo esse assunto, o que provou ser o ponto chave de sua terapia. Compreendeu que uma separação era o melhor que se podia fazer a ambos, e que cada um deles seria mais feliz vivendo sua própria vida. Havia ganho um novo e sólido respeito pelo problema dos outros.

À medida que desapareceram seus ressentimentos e ódio, permaneceu o problema do que fazer com sua raiva. Sugeri que esta força agressiva era muito valiosa para ser desperdiçada em objetivos destrutivos. Poderia ser dirigida à finalidade de reduzir as tensões físicas e fortalecer sua estrutura.

A terapia física continuou com maior poder. Sentia-se mais forte e carregado a cada semana. Encontrou uma moça com a qual estabeleceu um relacionamento persistente. Perdeu o emprego, mas isto não o abateu. A esta altura havia interrompido a terapia. Estabeleceu-se por conta própria e por último passou a ocupar a posição de executivo em uma empresa sólida.

Hipótese diagnóstica:
Seria justificável o diagnóstico de presença de oralidade a partir da história de repetidas depressões. Pode-se ir ainda mais longe e descrever toda a estrutura de caráter como oral. Isto significa que o padrão dominante de comportamento é determinado por tendências orais. Por uma lado, temos as afirmações do cliente quanto a profundos sentimentos de solidão, desapontamento, desamparo e, por outro, há o narcicismo, a óbvia necessidade de atenção e elogios ( busca de “alimentação narcísisca”) e o desejo de ser alimentado. “O mundo deve me sustentar”. O cliente admitiu que, durante uma certa época de sua vida, havia sido um glutão e fora bem gordo.

Há primeiramente a história de falta de sucesso no trabalho. Geralmente, encontra-se nestes caracteres a inabilidade de manter-se no emprego por um período um pouco maior de tempo. Não é incomum que esta característica se extremize a ponto de uma revolta contra a necessidade de trabalhar ou, mais freqüentemente, contra as exigências da situação do trabalho. Meu cliente apresentava claramente esta atitude. No entanto, a alternativa para o trabalho, como lhe fiz ver a partir de sua própria experiência, era a depressão. Embora lhe fosse difícil, como eu mesmo concordei, que dados os seus problemas, as exigências da realidade lhe eram difíceis, não havia outra alternativa.

A relação amorosa do caráter oral tem os mesmos distúrbios que podem ser encontrados em sua função de trabalho. Seu interesse é narcisista, suas exigências são grandes e, limitada a resposta. Espera receber compreensão, simpatia e amor e é super-sensível a qualquer frieza sentida no companheiro ou no meio.

Compreensão Dinâmica:
Posto que a outra pessoa no relacionamento não pode realizar suas exigências narcísicas, o caráter oral desenvolve sentimentos de rejeição, ressentimento e hostilidade. Dado que, o parceiro também tem suas próprias necessidades, que o caráter oral não pode facilmente satisfazer, a situação é de um conflito praticamente constante. É grande a dependência, mas muitas vezes disfraçada em hostilidade.

Ele odiava o pai e sempre desprezara sua mãe. O medo da rejeição, que no caso do oral é o medo de perder o objeto amado – medo inconsciente tido como enorme perigo e ameaça. O pensamento analítico relaciona a depressão com esse medo.

O desejo de matar o amante da esposa foi interpretado como a raiva reprimida que nutria pelo pai, o qual o havia impedido de chorar pedindo a mãe.

A análise pode revelar toda a tendência infantil de sua personalidade. Como uma criança pequena, se interessava apenas por suas próprias necessidades e sentimentos; era um narcisista. Sua esposa o deixara, pelo menos em parte, porque ele não tinha noção das necessidades dela. Ela não havia sido feliz com ele, da mesma forma que ele não tinha sido feliz com ela. Sua inabilidade em sentir pelos outros ou de estar ciente das necessidades e desejos daqueles com os quais se relacionava era uma fraqueza em sua personalidade.

Principais objetivos da Terapia:
Aceitação progressiva da realidade. Levar o cliente a compreender que aquilo que ele sente como amor, é experienciado pelos outros como um pedido de amor. Dizer “Eu te amo”significa “Eu quero que você me ame”. Sua atitude quanto ao relacionamento amoroso não está baseada no padrão de dar e receber. Ao contrário, lembra mais o padrão infantil de necessidades e exigências, no qual a outra pessoa é considerada como fonte provedora de “alimentos”narcísicos requeridos.

O ponto chave em qualquer terapia analítica quando a agressão liberada através da análise é concomitantemente orienta-la para a tarefa de melhorar a função diária na vida atual.

Texto extraído do livro O Corpo em Terapia, de Alexander Lowen, Summus Editorial, parte II, cap 9, pg 153, com adaptações de Overlack Ramos, em 18 de abril de 1997, para o Treinamento em Análise Bioenergética do BIOCENTRO -Centro de Análise Bioenergética e Terapias Integradas.

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