Satyaprem
Você não pode ser nada que você esteja vendo, você é simplesmente aquele que vê. Você não pode ver a si mesmo, por que quem veria? Aquilo que nós somos, a Essência ( aqui eu estou usando a palavra Essência), é imensurável, portanto não tem como medir. Nem na largura, nem no comprimento e nem na profundidade. Por isso chama-se de imensurável. No entanto, pode-se saber, pode-se realizar, pode-se reconhecer isso pelo simples motivo de que isso é a nossa realidade.
O objetivo deste encontro é fazer com que você se encontre. Pode-se dizer como um fim de busca.
Pode parecer pretensioso para você nesse instante, mas é assim que é. A meta é fazer você saber quem você é. Não é quem você pensa que é, mas quem você é em realidade. É mostrar à vocês que existe uma série de mal-entendidos que têm sedimentado a sua busca. O que vai ser dito vai colocar, de uma certa forma, de cabeça para baixo uma série de coisas em que vocês têm acreditado. E está tudo vinculado, na verdade, com:”Quem é você?” Essa pergunta clássica, “Quem sou eu?”
Quantos de nós têm perguntado há tanto tempo… “Quem sou eu?” Ou, talvez nunca tenha cogitado tal pergunta, mas eu quero que nesse momento vocês não só perguntem, eu quero que vocês encontrem a resposta. Na verdade, não há resposta para essa pergunta… Há um “ver” nessa resposta, ela não é uma resposta com palavras, com entendimento em si, mas um “ver”, um “ver” que não necessita dos seus olhos… Na verdade, não necessita de nenhum dos seus sentidos. Até esse presente instante, você tem vivido, sentido e experienciado o mundo através dos seus sentidos… Eu quero que você tire tudo do seu caminho, da sua frente, para que você possa “ver”.
O que eu estou dizendo, são conceitos. Conceitos que apontam para algo. Eu quero que você olhe para esse algo e esqueça os conceitos. Tudo o que eu estiver falando ou que eu investigar será uma experiência minha. Eu quero que você também a tenha. Eu estou aqui para compartilhar com você essa realização, essa clareza. Eu quero que você acorde para quem você é e isso você pode fazer. Você está completamente habilitado a fazer. No entanto, a minha novidade é um tanto quanto frágil, porque eu vou lhe dar uma coisa que você já tem! Eu só quero que você atente e veja com consciência que você já tem, que você é aquilo. Essa é a minha única função.
Isso não vai melhorar a sua vida, mas vai simplificá-la. Você ainda vai morrer, você ainda vai sentir dor, mas tem uma coisa que em nosso processo completo de vida não levamos em conta, não é falado, não é tocado, não é elaborado de forma alguma. Nós vivemos dentro da nossa cultura de uma forma refletida! Nós nos refletimos nos outros, nós refletimos a nossa existência. E uma experiência refletida é secundária. Ela é indireta, não é uma experiência direta de quem somos. Por isso as pessoas sofrem, porque elas vivem de acordo com o reflexo e o reflexo não é o que você é. Você não é o seu reflexo! Você é aquilo que é refletido, você é aquilo que está atrás do espelho!
E o que eu quero trazer para vocês, de uma certa forma, vai ser complicado de “entender”, porque isso passa por uma novidade absoluta. Nós nos relacionamos com o mundo como se o mundo fosse um objeto, as pessoas fossem objetos e nós fossemos um sujeito. Bem, a novidade que eu quero compartilhar com vocês é que vocês não passam de objetos também. Essa pretensão de ser alguém, que você chama de eu, é apenas um objeto. E aquilo que você é, transcende tudo isso, porque não pode ser manipulado por ninguém.
Trazer você direto para essa visão, é o propósito deste encontro. Você é capaz de “ver” isto, porque você é aquele que está “vendo”… Tenho uma sugestão: eu quero que vocês consigam, de alguma forma, suspender completamente as suas memórias e as suas idéias a respeito de tudo. Tudo aquilo a respeito do que vocês têm idéia, por mais sedimentadas e comprovadas, são apenas idéias. Ponha na prateleira, imagine que você tenha uma livraria dentro da sua cabeça e lá você tem todas as idéias colocadas em livros: sexo, família, verdade, iluminação, eu, o outro, nós, o que quer que seja. Deixe tudo isso na livraria e tente acessar aquilo que eu quero, diretamente, sem nenhum vínculo com aquilo que você já viu antes.
Você não tem nome, não tem forma, não tem tamanho. Tampouco há sensação que possa descrever você. Todas as sensações ocorrem “dentro” de Você. Não importa o que você faça, Você está observando… Não importa a imagem que venha, o pensamento que venha, a emoção que venha, quem é que sabe disso tudo? Esse, é quem Você é. O foco é nesse que Você é e não nos objetos de observação. Objetos vêm e vão.
Mas Consciência, Atenção… Não importa o que você faça, você está sempre ciente de alguma coisa, não é verdade? Pode não ser aquilo que a mente queira estar consciente de. Você queria falar uma coisa e você esquece, você está consciente de que esqueceu! A Consciência permanece como cortina de fundo para o que quer que seja que aconteça na periferia. É imutável e não depende de você fazer coisa alguma. Não importa o que você faça, se você beber 3 litros de whisky e ficar muito bêbado, você sabe que está muito bêbado e talvez desmaie, perca a consciência periférica, mas aquela Consciência, que não precisa de experiência, permanece, porque Ela é independente, Ela não pode ser experenciada por você, porque Ela é Você.
Mas, quando eu digo Ela é Você, você pensa em você como uma entidade, mas não é você como uma entidade, é você como uma não entidade. É uma imaginação sua que existe alguém que precisa de mais amor, alguém que precisa de menos amor, alguém que precisa de mais liberdade, alguém que precisa de mais dinheiro, alguém que precisa disso e daquilo e daquele outro e que pede para o outro, que também é um ninguém, que satisfaça as vontades desse alguém. É um sonho, que não funciona, já funcionou? Olhe bem para a sua própria vida e diga se funcionou…
De onde que eu foco? Para onde que eu foco? Onde você tem focado toda a sua energia até esse momento? Na periferia, tentando fazer com que os outros entendam você, tentando entender os outros e sempre o que resta é um nível de falência, um nível de fracasso, porque não existe ninguém; porque existe ninguém. Enquanto você foca na periferia você não sabe que não existe ninguém, você então pensa que existe alguém, e assim se complica.
Como é que você vai ver e ficar em paz com esse Silêncio, que é inerente a você, com essa natureza que você pensa ser? Se alguém não lhe dá aquilo que você quer, você observa e aceita, porque não tem outra coisa a fazer. O seu foco muda da periferia das satisfações, dos sentidos… O enfoque então, é naquilo que você verdadeiramente é.
É óbvio que você vai usar o seu nome. É óbvio que você vai se mexer normalmente, quanto mais, melhor. É essa a ordinariedade que o Osho pediu e da qual tanto falava. Seja ordinário! Os outros iluminados que a gente conhece são todos extraordinários. Você não foi ao Himalaia? Como é que você vai iluminar? Explique! Algum astrólogo fez a sua carta natal quando você era pequeno? Ou, você deu três passos quando nasceu? Alguém leu numa folha de bananeira o seu futuro, que você iria iluminar aos 33? Era a imaturidade dos tempos que precisava daquelas histórias. Você não precisa! Fique quieto, saiba, é a sua natureza!
A mentira é que você não é um Buda. A verdade é que não há o que dizer e quando não há o que dizer, o que a gente faz? A gente fica quieto. E a natureza desse Ser que você é, é o Silêncio. Vocês já notaram isso? É uma atenção silenciosa. É um êxtase que não pode ser provado, que não pode ser experenciado por você, porque ele é Você. Para ter uma experiência de alguma coisa você precisa estar fora dessa coisa…
A mente gostaria de fazer exatamente isso, experenciar o que eu estou dizendo. Mas a única prova que você pode ter é: Saiba! Fique quieto e saiba você mesmo. Você não precisa da aprovação de ninguém. Quem que vai lhe dar uma aprovação senão você mesmo? Senão esse Ser que você é? Se esse Ser que eu sou é o Ser que você é, como eu posso lhe dar uma aprovação? Não existe eu, não existe você, só Aquilo. Então é indiferente. Quando você sabe, a autoridade nasce de dentro de você inerentemente, naturalmente, sem você ter de fazer nada… E você pode até ser incapaz de transmitir ou conversar a respeito, mas quem se importa?… Esse não é o ponto. A preocupação única que pode ter é: saiba!
E, preocupe-se sem se preocupar, busque sem buscar, porque não está longe de você não está num lugar inacessível muito embora a mente duvide. Talvez você não veja, tem uma neblina e aí a neblina sai, e lá está o Himalaia, aí vem a neblina de novo e você diz:”não pode estar lá”; e aí sai a neblina e está lá. A neblina é a mente, deixe-a fazer isso por quantas vezes ela quiser, só lembre-se de uma coisa: o Himalaia está lá quer você veja ou não.
Você é iluminado quer você saiba ou não, porque é a sua natureza, entenda isso também. Você não pode possuir isso, ao contrário, isso o possui. Está claro? Não tem como você conter isso dentro de você, como é que a gota vai conter o oceano dentro de si mesma? Não tem como condensar a complexidade de tudo dentro de uma gota. É muito mais fácil, muito mais simples, a gota entregar-se, não é? E, se ela se entrega, ela deixa de ser gota e esse é o seu medo.
“Mas se eu não sou mais uma gota, o que é que vai acontecer?” Não vai acontecer nada, só vai acontecer que você não vai mais ter a ilusão de que você é uma gota e a mitologia diz que talvez você não tenha mais vontade de viver nesse corpo. Mas você não vive nesse corpo, essa é a ilusão da história. É esse corpo que vive em Você! É apenas uma brincadeira da Existência para compreender a si mesma, para ver a si mesma, ela lhe dá esses olhos e toda essa capacidade de compreensão. É tanta compreensão que chega a confundi-lo. A vaca não se confunde, não sei se vocês já observaram. Já viu uma vaca discutindo com o touro? “Por que tu vais com aquela outra vaca?” E quanta coisa acontece nessa incompreensão, nesse mal-entendido, inclusive aquela coisa que a gente chama de comparação. Conhece, não é?
“Eu não sou espiritual o suficiente, aquela pessoa é mais espiritual do que eu”, ou o contrário,”eu sou muito mais espiritual do que aquela pessoa”. É tudo periférico. A mente questiona tudo isso porque ela acha que a realização da Essência tem uma forma, uma cara, uma estrutura que, se realiza a Essência, você tem de se comportar de uma determinada maneira, provavelmente baseado nas outras maneiras que você já leu em algum lugar. Esse é o seu problema. Você está tentando comparar com as coisas de outros tempos.
A natureza desse Ser que eu sou, desse Ser que nós somos é Silêncio, é Paz. Todos vocês já provaram: ou andando de bicicleta, ou depois de uma transa, ou depois de uma boa comida e um copo de vinho, ou depois da Dinâmica, ou durante a Dinâmica, ou em algum grupo, ou em algum momento, não provaram? É uma coisa que independe , não está sob o seu controle.”Não está no meu controle”. Mas esse é o mal-entendido da casca da cebola, achando que de alguma forma eu tenho controle sobre o que acontece.Qual é o entendimento da pérola? Não está sob o meu controle, eu não controlo mais. Qual é a natureza dessa Essência que você é? Silêncio, Paz, Verdade são inerentes a esse processo. A Verdade é a natureza desse Ser que você é.
A gente fica esperando aquele livro que virá com aquela palavra chave que eu vou entender em totalidade, mas não tem nada para entender em totalidade. Quantos livros você já comprou e já botou na prateleira da sua casa? E você os leu sem compreendê-los, porque não tem palavras que possam transmitir isso diretamente. Elas podem apenas apontar. O que conta é a sua capacidade de “entender” o simples, e de novo, não é entender. É a sua natureza, não há necessidade de fazer nada, é saber coisas básicas.
É da natureza da mente duvidar, duvidar que eu possa saber, duvidar que possa ser tão simples. Dê boas vindas às dúvidas, duvide! Olhe na direção certa e veja que a dúvida é irrelevante. Tem livros que dizem que aconteceu isto, que aconteceu aquilo. Aconteceu isto e aquilo e aquele outro para aquela pessoa, para aquele corpo-mente, para aquele mecanismo. Quem sabe para você é diferente. Uma coisa transcende essas diferenças periféricas, o que é?
O imperador Wu, da China, foi um imperador que fez muito, construiu muitos mosteiros e trouxe muito dinheiro para o Zen. Ele ouviu que Bodidharma estava vindo na direção da cidade onde ele morava. Ele, então, arranjou um encontro com Bodidharma, chamou-o para o castelo. Quando ele encontrou Bodidharma ele disse:”Eu tenho dado muito dinheiro para os mosteiros, para eles escreverem as escrituras, etc. Eu estou tendo muito mérito?” E Bodidharma respondeu: “Não está tendo mérito nenhum”. Ele tinha gasto muito e sabia que Bodidharma era um dos patriarcas vivos e ficou irado com Bodidharma, é óbvio, e então perguntou: “Sabes com quem estas falando?” Bodidharma disse: “Sei”. E o imperador: “Quem é você para me dizer uma coisa dessas?” Ao que Bodidharma disse: “Não tenho a menor idéia!” Está escrito, é a história. Eu não sei quem eu sou… É o mesmo significado do saber que você é uma coisa que não tem forma, não tem tamanho, não acontece, independe do que você pensa ou deixa de pensar, do que você faz ou deixa de fazer.
Nós, normalmente, visitamos o mundo através do que a gente pensa dele. Nós vemos as coisas sempre com um filtro. A gente dá nomes a tudo: árvore, animais… Tem uma coisa, no entanto, que não tem nome, e se você vê essa coisa, você não a reconhece, porque ela não é reconhecível. E essa coisa, definitivamente, não faz parte da sua experiência pretérita. Ela é uma coisa sempre nova porque ela vive no aqui e agora e no aqui e agora é onde ela mora.
É quem, na realidade, você é. É o que Bodhidharma disse: “Eu não sei quem sou” e veja bem, todas as pessoas que vieram aqui chegaram a mesma conclusão: “Eu não tenho a menor idéia de quem eu seja!”, e é exatamente esse não saber “quem eu sou” que você verdadeiramente é!
Quando você sabe que você não sabe quem você é, você sabe quem você é, porque aí não se confunde mais. Você não vai ficar mais identificado com seu corpo ou com sua mente. E o que eu estou tentando compartilhar com vocês é que, se você percebe o seu corpo e a sua mente, você não pode estar “dentro” deles.
A Consciência transcende o corpo! Por isso é que os “loucos” fazem viagem astral, não sei mais o que… Porque é exatamente isso, eles estão em todo o lugar ao mesmo tempo, na verdade eles não estão viajando, eles estão simplesmente vendo o que pode ser visto e que umas pessoas tem mais discernimento para ver do que outras. Mas não estão viajando nada, não tem ninguém indo a lugar nenhum. Eles não estão saindo do corpo e indo à África.
Se você observar, dentro da própria experiência, você vê que não tem como estar contido no seu corpo. Se você fechar os seus olhos, o que você observa? Não observa que é maior? Maior de tal forma que não sabe onde termina nem onde começa. Veja bem, se a Consciência está em todo o lugar, se a Consciência é tudo, onde que os corpos estão? Não é dentro da Consciência? A Consciência contém tudo. Tudo o que existe é Consciência, mais nada. Não tem nada fora da Consciência!
Tem aquele dizer do Osho que eu vou repetir. Não há peixe dentro d\’água que esteja com sede. Já viu peixe com sede? Não, porque a essência do peixe é a água, faz parte, ele está ali, dentro d\’água. É apenas uma metáfora quando eu falo a Consciência contém o todo, não dá para pensar em termos de matéria e de que está dentro… É apenas uma linguagem… A expressão que eu quero que você compreenda é que eu estou aqui e o meu Eu, Ele não é contido no meu corpo, Ele transcende o meu corpo e todos os corpos. Tudo está dentro de mim, não dentro mim, mas desse Eu que Eu sou. Porque esse Eu que Eu sou não começa em algum lugar, nem termina em lugar nenhum. Tudo que existe é essa Essência!
Quando você realiza quem você é, o mundo da periferia se torna uma brincadeira. Essa brincadeira os indianos chamam de “Leela”. Mas estar identificado com seu corpo-mente é pura ilusão. E essa sensação os indianos chamam de “Maya”, a ilusão dos corpos separados. A verdade é que os corpos todos estão acontecendo “dentro” de quem Eu sou. Não é eu Satyaprem, quem eu sou, é a Essência de todas as coisas, a Consciência. Porque quando você entra em contato, quando você realiza a sua Essência, que não é sua, você cessa de ser quem você é, seu limite é perdido… Não há nada, não pode ter nada. Você não tem espaço e não tem tempo, o que há então?
(Texto extraído do livro “Fragmentos de Transparência”, cap.4)