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A onda descansa nos braços do oceano

Satyaprem

Quantos pensamentos, não é?! E como fazer para pará-los? Não tem essa pergunta? Quem não gostaria de parar os pensamentos?… Pois trago algumas novidades em relação aos pensamentos. E… como fazer…

Quantos métodos já nos deram para pará-los? Você tem idéia? Pois eu não vou dar nenhum outro! E sabe por quê? Porque a novidade que trago é que não precisamos parar os pensamentos. A partir de hoje, convide-os a ficar. Deixem que eles fiquem. Diga-lhes: – Bem-vindos sejam os pensamentos! Vamos lá! Pensem à vontade!… Que venham a mim os pensamentos!!!

Isso, simplesmente, porque vocês não são os pensamentos. E você, quem você é em originalidade, radicalmente, não pensa! Você, quem você verdadeiramente é, não pensa. Você pensa que você pensa, porque você pensa que você é aquele que pensa, mas VOCÊ não pensa! Então convidem os pensamentos a ficarem.

Por que vocês têm brigado com seus pensamentos? Eles não são seus… Eles são apenas pensamentos! Como os sons dos carros que passam…Como os sons das vozes… E isso tudo é periférico a você. Imagina se, para você encontrar a paz, você precisasse que todos os carros parassem… E que todas as vozes se calassem… E todas as chuvas não chovessem… E todos os dias quentes, não fossem dias quentes… E todos os dias frios, não fossem frios… E todas as dores de barriga, não fossem dores de barriga… Assim, você teria uma possibilidade ínfima de realizar a sua paz interior. Eu acredito que, se pensarmos assim, nós estamos no caminho errado. Nós ainda estamos olhando para fora.

Provavelmente, todos vocês já tentaram parar os pensamentos… Já tentaram parar os carros… Já pensaram em ter uma casa na colina para encontrar a paz. E quando você foi para lá, não havia paz, tampouco! E se havia, era temporária… Então, nessa busca tem algo errado. E eu ainda arriscaria dizer que é a própria busca que está errada.

Alguém colocou na sua cabeça que você tem que buscar a paz, e você acreditou… Ainda porque, antes mesmo de dizerem isto, disseram que você não estava em paz. E você, de novo, acreditou! E daí, conseqüentemente, disseram para começar a buscá-la… E você começou a buscar a paz fora de você: se eu comer certos tipos de comidas… se eu praticar certos tipos de exercícios… Eu vou encontrar a paz! E até que, numa certa medida, relativamente, você encontra paz. Uma paz relativa! Até que algo acontecesse… Até que alguém pisasse no seu pé… Até que alguém virasse vinho no seu colo ou café quente na sua calça… Até que alguém gritasse com você… Até que alguém contradissesse você…Até que alguém fizesse algo que fosse inaceitável para você… E a paz que você tinha “conquistado”, foi-se! E aí, de novo você diz para si mesmo: eu não estou sendo perfeito! Preciso me aperfeiçoar… Preciso melhorar ainda mais a minha disciplina… Vou meditar mais! Ainda não foi suficiente o que fiz! Preciso fazer mais!… E você olha para si mesmo como um ser imperfeito, em necessidade de perfeição. E você tenta aperfeiçoar-se… Mas até quando? Até quando você irá buscar isso dessa forma? Será que você vai conseguir?… Será que não está faltando alguma coisa nisso?!

Você pensa: “mas eu vou comprar um livro novo que saiu. Parece que ali tem a chave!” E você vai, e compra o livro e o lê do início ao fim, tendo que voltar várias linhas, porque já esqueceu o que passou, e aí você lê de novo aquela mesma linha… E vai em frente, para a próxima página… E de repente você se encontra no meio da página, e você olha e não se lembra o que leu antes… E aí começa tudo de novo! E ainda chega ao fim do livro e se pergunta: “Onde está a tal chave?”

Será que você tem mesmo que buscar? E, em realidade, você sabe o que é que tem de buscar?… O que você está buscando não é uma idéia pré-concebida?… Uma idéia que alguém lhe deu de como é…Como deve ser… Como foi para ele. E você está procurando realizar aquilo que foi transmitido através de conceitos para você. E assim, mesmo que você estivesse de molho na sua realidade, no seu estado búdico, no seu nirvana, você não saberia! Simplesmente porque não vai coincidir com aquilo que você leu, ou com as idéias que você tem. Porque você lembra: “Parece que não se sente mais desejo!”… E está tudo muito bem, mas você ainda sente desejo. E agora? E então, lá vai você de novo, pois está faltando alguma coisa. Você pensa: “Disseram que não se sonha!”… Mas ontem à noite você teve um sonho. E lá vai você de novo, pois está faltando alguma coisa! “Está em algum outro lugar no tempo!”… “Está em algum outro lugar no espaço!”… E lá vai você atrás…

Até quando? Quando você vai entender algo desse processo? E a sua mente pode entender esse algo? Que algo é esse? Talvez até você já tenha entendido pelo que falei até agora. Só que para isso, há a necessidade de esvaziar o copo! Mas faça o seguinte: inclusive a idéia de esvaziar o copo deve ser esvaziada. Você tem que esvaziar o copo e tem que esvaziar a idéia de que tem que esvaziar o copo, ou que o copo está vazio, ou que há copo, e também a idéia de que há alguém esvaziando o copo… “Mas como se faz isso?!”… Não se faz!!! “E como eu não faço?”… E assim, novamente se volta ao fazer.

“Mas eu tenho que fazer alguma coisa, senão como é que vai ser?”… Oras!!! Vejam como tem sido! Vocês têm feito coisas incessantemente, inclusive sem fazê-las, pois não fazê-las é um fazer. Por exemplo: “Agora eu vou meditar!” E você senta, respira, observa sua respiração, seu terceiro olho, seu hara, a ponta das suas orelhas, a ponta do nariz… Aí terminou o tempo da meditação e novamente… E na verdade, não mudou nada! Só que antes você estava fazendo uma coisa e agora você está fazendo outra. Na verdade, qual é a diferença essencial entre fazer uma meditação e ler um jornal ou jogar futebol? Veja que, em essência, são fazeres… Apenas na concepção há diferença! Fazer meditação é mais “puro” que jogar futebol. Portanto, “eu me purifico enquanto medito, e não me purifico enquanto jogo futebol”… Isso é apenas uma concepção!

O que está faltando?… “Eu tenho que encontrar a Verdade!”… Vou fazer uma viagem aos Estados Unidos, ficar 21 dias no deserto, no Novo México, cantando com os coiotes… Ou fazer o Caminho de Santiago… Ou vou morar um ano no Himalaia… “Já vendi tudo e estou pronto!”… Será?!…

Tem a história de um iluminado, que antes de sua iluminação foi à outro iluminado e perguntou:

“- Isso que você tem, você pode me dar?”… E teve como resposta: “- Sim! Posso! E você, pode pegar?!”… Foi um brilhante jogo de palavras! Eu não tenho nada para dar, e você não tem que pegar nada. Nada!

“Onde está o erro?… Por que eu não encontro, se eu busco, busco, busco…” Mas você já parou para pensar que talvez a própria busca seja o erro?… Você já parou para pensar no que aconteceria se você parasse de buscar? E de novo, faço a mesma pergunta: Quem pararia de buscar, se não a mesma pessoa que estava buscando?… E qual a diferença essencial entre buscar e parar de buscar?

Como entender o que estou falando? Vamos lá! Diretamente! Se quando eu digo que, ao parar de buscar, você encontra; quem que pára de buscar?… A mesma pessoa que estava buscando… E assim permanece o fazer. Permanece a entidade que faz. Pois é! Onde está então a raiz disso tudo? A minha pergunta é básica!… E quantos de nós teve a coragem de olhar para a pergunta e tentar respondê-la?!… E quantos de nós sabe qual é a pergunta?… Quantos de nós sabe quem é essa entidade que busca?… Quem é essa entidade que entendeu que é para parar de buscar, e vai parar de buscar?… Quem sou eu?… Será que eu sei quem eu sou?… Eu encontrei a resposta para essa pergunta?… Eu realizei?… Eu me dei conta?… Quantos de nós sabe a resposta?… Se é que há alguma resposta!… E talvez tenha, mas não seja uma idéia que você possa conceber. Talvez seja algo inconcebível!… Talvez seja algo que você não gostaria de descobrir e por isso, você procura em todos os outros bolsos a chave, menos em um dos bolsos. Procura inclusive, nos bolsos de outras pessoas… Você viaja a procurar nos bolsos de outros lá longe… para ver se sua chave está lá. Você procura, inclusive, encontrar sua chave em lugares que você nunca passou… Mas naquele bolso, você não mexe!… Você não procura lá!… Porque talvez, você não queira saber o que é que essa chave contém, ou qual é que é a substância dessa chave, do quê ela é feita… Se é que ela é feita de alguma coisa… Ou ainda se existe mesmo uma chave!… Lembre-se! Tem um bolso que precisa ser olhado! Um único bolso falta ser olhado!… Em todos os outros você já tentou encontrar, e, se você observar, as pessoas ao seu redor já procuraram também em outros lugares, e não encontraram!…

Só tem um lugar para olhar, e ele começa com a pergunta: “Quem é você?”… E acredite! Você não é nada que você pense que você seja… Não importa o quão maravilhosa seja a idéia que você tenha de si mesmo… Ou horrenda, ou terrível, ou medíocre… Não é questão do adjetivo: a questão é do substantivo! Você não pode ser uma idéia, porque uma idéia pode ser repetida, e você é irrepetível!

Você não é algo que possa ser apalpado, que possa ser tocado… Qualquer idéia que eu te der, qualquer idéia que você receba, não é o que você é. Porque você é indefinível… E aí, você pode pensar: “OK! Já sei quem sou! Sou algo indefinível!”… Só que isso será mais uma idéia! Essencialmente, você não é definível e nem indefinível… Quem é você? E essa pergunta só pode ser respondida por você! Não pode ser respondida por mim, nem por um outro alguém… Mas tem que ser perguntado: “Quem sou eu?”

Quem é essa figura que pensa que pensa?… Quem é essa figura que pensa que tem que parar os pensamentos para chegar no Nirvana?… Que pensa que está sofrendo… Que pensa que está feliz… Que pensa, inclusive, que é um “eu”; que fala “eu” todos os dias: “Eu quero isso…”; “Eu quero aquilo…”; “Eu gosto disso…”; “Eu não gosto daquilo…” Esse “eu” que faz escolhas, e que existe apenas na fluição desses pensamentos, dessas escolhas…

“Quem sou eu?”… Parece complicado, mas é mais simples do que você possa conceber. Pelo simples motivo que você já é, e não tem como não ser. Você não pode encontrar a si mesmo, porque você é o que está buscando. Com a idéia que lhe foi dada, subentende-se que há alguém que busca, e que tem algo a ser encontrado. Tem um sujeito e tem um objeto! E você pode escolher quem você é: o sujeito ou o objeto. E, ainda assim, qualquer escolha que você faça, não é você!

De repente, você se depara com o vazio, com o indefinível, com o sem-forma, com o sem-nome, com o infinito… Que não pode ser medido, não pode ser percebido, sentido ou compreendido… E aí, você fica de cara com aquilo, e diz: “Não! Não pode ser isso! Isso é um desastre!”… Será que é mesmo um desastre?… E não tem como saber, a menos que você se confronte e veja por si mesmo… Especular antes de se jogar no abismo é vão! O meu convite é: Antes de pensar, jogue-se! Pense depois!… Esse abismo que estou falando é o abismo que você é! Confronte algo que de alguma forma as pessoas têm dito que é inacessível e amedrontador. E não esqueça que isso é uma idéia emprestada de alguém. A mente concebe a idéia de algo vazio como vazio, mas será que o vazio é vazio mesmo?… E se o vazio for cheio e o cheio que a mente concebe for vazio?!… Se você observar agora, verá que a experiência de cheio que a mente concebe é completamente vazia, ou não é?!… Você comprou o carro do ano e se sente cheio. Mas passa o ano e esse cheio se torna vazio.E você precisa de outro carro… E assim, o desejo enche de vazio a sua vida… Quem sabe então, o vazio enche realmente a sua vida?!… Questione-se! E não esqueça que o primeiro passo para esse vazio, é saber quem é você.

“Ah! Eu sou fulano de tal, engenheiro, filho do meu pai e da minha mãe…” Será?! Será que isso é você mesmo? Nossa! É tão simples e tornaram tão complicado, tão inacessível! O que é até entendível, porque o que fazem muito simples, você não valoriza. Se eu digo que depois que você encontrar a Verdade, você realizará milagres e poderá passear no Cosmos, aí é dado valor. Mas se a resposta é negativa, então você logo se questiona: “Ah! Então para que descobrir a Verdade?! Se não acontece nada! Se nada é mudado, se tudo permanece a mesma coisa… então, para que?” Daí, então, tornaram isso difícil; de modo que você acha que deve meditar um pouco mais, ou se preparar um pouco, ou que você precisa purificar seu corpo, sua mente, sua alma… Que você como está, está impuro. Logo, mais um ideal, mais algo idealizado, prorrogado para outro momento no futuro… E você ainda aceita com o “coração”. E daí você medita mais um pouco, e novamente se apresenta, e lhe é dado mais um outro problema. E mais uma vez é prorrogado…

Pode acontecer agora! Aqui! E de novo já posso ouvir sua mente tentando apreender o que foi dito: “Mas acontecer o quê?… Mas observe! Tem algo a acontecer? Te disseram que algo aconteceria, e você vive à espera de que algo aconteça. E eu estou mais uma vez repetindo: esse algo é uma idéia! Você não vai ver luzes e nem sentir uma explosão de êxtase… E você tem buscado quem você é, esperando por isso. Mas não se engane! Não há nenhuma idéia que se assemelhe àquilo que você é!

Na Idade Média, na Europa, existia um grupo religioso chamado “Os Irmãos do Espírito Livre”. Talvez uma das poucas tradições da Iluminação no Ocidente. E eles diziam o seguinte: “Você é deus. No mundo fenomenológico, você é uma manifestação, uma emanação de Deus, que, quando termina o seu período corporal, você retorna a Ele, e não existe nada a não ser Deus manifesto e o retorno.” Perfeito! Não poderia ser tão simples! Nem mesmo somos separados de Deus, se não uma emanação daquilo que está em descanso… Que emana-se, manifesta-se, e que quando termina o processo de manifestação, retorna! Assim como uma onda no corpo do Oceano. Que sobe, e desce… E terminou!

E agora? Quem é você? Você é a onda? Uma emanação? Em essência, qual é a radical pergunta, qual é a radical resposta?… Tudo o que existe é o Oceano! Não existe onda. Foi dado um nome a algo que é o próprio Oceano. E, quando foi dado um nome para aquilo, foi feita uma separação entre a onda e o oceano. E isso explica talvez você estar identificado com o seu nome, e a sua forma.

Descubra! Existe uma tendência em procurar no lugar errado. Você tem que perceber algo que não pode ser percebido, por você ser aquele que percebe. Não tem saída! Não tem para onde ir! Por isso, páre de buscar! Páre! Stop! Zera tudo! E não esqueça! Não é um zerar, pois não há alguém que zere. Não há nada fora do Todo, fora do Divino, da Essência, da Consciência…