“Se o indivíduo não está atento ao seu corpo, é porque tem medo de perceber os seus sentimentos.”
Alexander Lowen
A palavra realidade pode ter significados diferentes, para pessoas diferentes. Em termos bioenergéticos, todavia, quando se diz que uma pessoa não está em contato com a realidade, significa que ela não está em contato com a realidade do seu ser. O melhor exemplo é o do esquizofrênico que vive num mundo de fantasia e não percebe as condições físicas de sua existência.
Para qualquer pessoa, a realidade básica do seu ser é seu corpo. É através dele que vivenciamos o mundo, interagimos e reagimos a ele. Se alguém está fora de contato com o seu corpo, está fora de contato com a realidade do mundo.
A inescapável realidade da vida é que a pessoa é seu corpo e o corpo é a pessoa. Quando o corpo morre, a pessoa morre. Quando o corpo fica “amortecido”, isto é, quando não há sentimento, a pessoa deixa de existir como indivíduo, como personalidade definida.
Em seu livro “O Corpo Traído”, Alexander Lowen resumiu este pensamento com as seguintes palavras:
“Se o corpo está relativamente amortecido, a percepção e reação da pessoa estarão diminuídas. Quanto mais vitalidade tiver no corpo, mais vívidas serão suas impressões da realidade e mais ativamente irá reagir a elas.”
Em outra parte da mencionada obra, ele também postulou o seguinte:
“É o corpo que vibra com amor, treme com frio, estremece de raiva e procura calor e contato. Fora do corpo essas palavras são imagens poéticas. Vivenciadas no corpo, têm uma realidade que dá sentido à existência. Baseado nas realidades dos sentimentos do corpo, uma identidade tem substância e estrutura. Abstraída dessa realidade, a identidade é um artefato social, um esqueleto sem carne.”
O problema terapêutico é que a pessoa que está fora de contato com seu corpo não sabe do que está falando. Pode até mesmo dizer “O que é que tem a ver o meu corpo com a maneira como eu me sinto?”, uma frase absurda, pois o que a pessoa sente é o seu corpo. Esta pessoa não está em contato com a realidade, e dela pode-se dizer o seguinte:
- Persegue objetivos irreais ou está presa a uma ilusão;
- Não tem os pés no chão; e
- Perdeu sua fé.
Na verdade, são três aspectos diferentes de uma mesma situação, já que a pessoa que não está assentada no chão, não tem fé e procura objetivos irreais. Por outro lado, a pessoa que está com os pés no chão, tem fé e está em contato com a realidade. Melhor seria dizer-se que a pessoa que está em contato com a realidade, está assentada e tem fé.
A falta de contato com a realidade nos remete ao estudo das ilusões, um capítulo essencial no estudo bioenergético.
Quando o paciente procura o terapeuta, ele admite que algo em sua vida não saiu do jeito que deveria; encontra-se confuso sobre suas reais expectativas ou situações que não consegue discernir. Às vezes, não sabe sequer o que deseja exatamente, enfim, ele admite estar em apuros.
Visto que esses são problemas já conhecidos e o fato de que é mais fácil ser objetivo a respeito de outra pessoa, o terapeuta pode em geral discernir os aspectos do pensamento e da conduta daquela pessoa que são irreais, ou seja, baseados mais em ilusões do que em realidade.
Que são essas ilusões? Qual a sua origem? Como elas se desenvolvem?
A ORIGEM DAS ILUSÕES
O desespero conduz a ilusões. A pessoa desesperada cria ilusões para sustentar seu espírito em sua luta pela sobrevivência. O recurso da ilusão é fomentado pela impotência diante da realidade externa. É uma função válida do ego, mas que se torna patológica quando a impotência se deve a sentimentos de inadequação que nada tenham a ver com a realidade externa.
O papel representado pelas ilusões assumiu significado para Lowen quando ele estudou um caso de um paciente cuja personalidade revelava ter sofrido profunda rejeição materna no início da sua vida. A condição desesperada dessa pessoa forçava-a a criar ilusões que sustentavam o seu espírito ativo na luta pela sobrevivência. Incapaz de mudar ou escapar dessa realidade ameaçadora, restava-lhe recorrer a essas ilusões a fim de que não se deixasse levar por um desespero total.
A verdade é que as pessoas desesperadas têm suas ilusões secretas, cuidadas com todo carinho, e que pensa um dia concretizar. Quando sentem que são rejeitadas em sua natureza humana, desenvolvem a ilusão de serem superiores aos seres humanos comuns, por meio de virtudes especiais. É o mais nobre dos homens ou a mais pura das mulheres.
Essas ilusões geralmente se opõem às experiências da vida real daquelas pessoas. Por exemplo, a jovem cujo comportamento sexual é desregrado e promíscuo, acredita ser pura e virtuosa. A idéia subjacente a esta ilusão é a de que um dia será descoberta por um príncipe capaz de enxergar através de sua imagem externa, vendo em seu interior um coração de ouro.
Uma outra paciente, ao descobrir que seu marido tinha outra mulher, sentiu cair despedaçada a imagem de “pequena e perfeita esposa”, que fazia de si mesma. Evidente que essa pessoa se colocava na vida de um modo irreal, pois a idéia de que se possa ser uma “esposa ideal” não passa de uma mera ilusão, visto que a própria natureza humana é algo ainda muito distante da perfeição. Como se vê, o perigo de uma ilusão é que ela perpetua a condição de desespero.
PAPEL DAS ILUSÕES
Ao estudar a depressão, Lowen constatou que toda pessoa deprimida tem ilusões que a levam à falta de contato com a realidade em todas as ações e condutas de sua vida, e por conseqüência, à reação depressiva segue-se invariavelmente a perda de alguma ilusão.
Em sua conhecida obra “O Corpo em Depressão”, ele aprofundou a compreensão deste tema, resumindo-o no seguinte parágrafo:
“A pessoa que sofreu uma perda ou trauma em sua infância, suficientes para abalar seu sentimento de segurança e de auto-aceitação, projeta para sua imagem futura o requisito essencial de que esta inverta as experiências do passado.
Por exemplo, o indivíduo que passou pela sensação de rejeição, quando criança, configura o futuro como pleno de promessas de aceitação e aprovação. Se tiver enfrentado em sua meninice o desespero e a impotência, tentará naturalmente compensar em sua mente este insulto ao ego através de uma elaboração de uma imagem de futuro em que se torne poderoso e no controle das situações. As fantasias e devaneios que a mente tece buscam inverter o sentido de uma realidade desfavorável e rejeitadora, criando imagens e sonhos. Este indivíduo perde o contato com a origem infantil de suas experiências e sacrifica todo o seu presente à satisfação daquelas. Estas imagens são objetivos irreais, e sua concretização é um fim inatingível.”
Uma de suas pacientes expressou a mesma idéia com as seguintes palavras:
“As pessoas estabelecem para si próprias metas irreais e depois se conservam em constante estado de desespero na tentativa de concretizá-las.”
O perigo da ilusão, porém, é perpetuar o desespero, como ele enfatizou neste trecho de sua obra “O Corpo Traído”:
“À medida que uma ilusão ganha força, ela passa a exigir concretização, forçando desta maneira o indivíduo a entrar em conflito com a realidade, o que produz a sua conduta desesperada. A busca da realização de uma ilusão requer o sacrifício de sentimentos bons no presente, e a pessoa que vive na ilusão é, por princípio, incapaz de fazer exigências de prazer. Em seu desespero ela está disposta a ignorar o prazer e deixar a vida em estado de latência, na esperança de que sua ilusão a ser realizada, a livrará do desespero.”
Em razão deste pensamento, Lowen considerou a realidade uma direção secundária, pois a direção da pessoa dentro da realidade desenvolve-se aos poucos, conforme vai chegando mais perto da maturidade, ao passo que a orientação para o prazer está presente desde o início da vida, e por isto é considerada uma orientação primária.
Por esta visão, quanto melhor orientado dentro da realidade estiver o indivíduo, mais eficientemente suas ações satisfarão suas necessidades de prazer. É inconcebível que alguém consiga atingir o prazer, a satisfação e a realização que deseja tão ansiosamente, quando fora da sua própria realidade.
Esta compreensão conduziu Lowen a ampliar o papel das ilusões para todos os tipos de caráter, vez que toda estrutura de caráter é o resultado de experiências da meninice que, até certo ponto, abalaram os sentimentos pessoais de segurança e de auto-aceitação. Desta forma, as estruturas de caráter contêm imagens específicas, ilusões ou ego ideais que compensam os danos causados ao self .
Quanto maior tiver sido o trauma, maior será o investimento de energia na imagem ou ilusão; em todos os casos, porém, este é um investimento considerável. Toda parcela de energia que for desviada para a ilusão ou para atingir objetivos inalcançáveis, impedirá que a pessoa se torne disponível para viver o presente, o cotidiano. Tal pessoa encontra-se, assim, em desvantagem, em razão da incapacidade de enfrentar a sua própria realidade.
A ilusão ou ego ideal de cada pessoa lhe é tão peculiar quanto sua personalidade. O conhecimento das ilusões de cada tipo de caráter aprofunda o conhecimento da estrutura e oferece ao terapeuta mais possibilidades de atuação.
Caráter esquizóide – Rejeitado como ser humano, em fase primitiva de sua vida, a resposta a tal rejeição é sentir-se superior. O ponto extremo que uma pessoa pode atingir para ser especial é tornar-se esquizofrênica (estado descompensado do caráter esquizóide). Neste extremo, a ilusão assume o caráter de delírio, sendo comum a crença de ser Jesus Cristo, Napoleão, etc.
Caráter oral – O trauma original foi a perda do direito desta pessoa ter necessidades. A ilusão que se desenvolve compensatoriamente é a imagem de a pessoa estar cheia de vigor e repleta de energia e sentimentos, que transbordam, literalmente, por todos os lados. Quando o humor oscila para a elação, a ilusão é viabilizada, e a pessoa se torna volúvel, excitável, espalhando turbilhões de pensamentos e idéias dentro de um mar de sentimentos. Este é o seu ego ideal, constituir-se o centro das atenções, como alguém que se dedica por inteiro ao que faz. Devido à falta de energia para sustentar a imagem, esta se esvai, levando a pessoa a um estado depressivo.
Caráter masoquista – A dor masoquista tem origem numa infância em que a criança foi humilhada e envergonhada, mas para compensar a dor, sente-se, no fundo, superior em relação aos demais. Esta imagem ilusória é consubstanciada por sentimentos suprimidos de desprezo pelo patrão, pelo terapeuta, e por todos aqueles que se encontram numa posição de superioridade. O masoquista investe em seus fracassos, que procura justificar com a alegação de que só não fora bem sucedido porque não se empenhou o suficiente, mas, “se quisesse”, lograria bons resultados. De modo paradoxal, o fracasso apóia esta ilusão de superioridade.
Caráter psicopático – A dor original desta estrutura de caráter é a experiência de ter sido desamparado, sem possibilidade de reação, nas mãos de um genitor sedutor e manipulador, compensada com a ilusão de que é o todo-poderoso. Com o intuito de concretizar a ilusão, persegue a riqueza e o poder, ou procura demonstra-los, mesmo que não os detenha. E quando os adquire, não os emprega de modo construtivo, mas no melhor interesse de sua imagem egóica.
Caráter rígido – Esta estrutura decorre da rejeição de um dos pais ao amor demonstrado pela criança, que se sente traída e com o coração partido, desenvolvendo em sua autodefesa um encouraçamento contra a manifestação do amor, por medo de ser novamente traída. Seu amor está resguardado, mas a pessoa de caráter rígido não tem a noção de haver retraído o seu afeto. A sua ilusão, ou auto-imagem é a de que ama sem ser amada. Ela é uma pessoa amorosa, e seu coração está pronto para o amor, mas a expressão deste sentimento é que está bloqueada. O indivíduo rígido, portanto, é alguém amoroso em nível dos sentimentos, mas não das condutas.
O perigo de uma ilusão ou imagem de ego é o fato de cegar a pessoa em termos de realidade. O indivíduo de caráter oral é generoso, mas não consegue enxergar que ele pouco tem a dar, e como é pequena a sua capacidade de realização. A pessoa rígida não pode discernir sua conduta amorosa de uma não amorosa. E o masoquista não consegue discernir quando é nobre submeter-se a uma situação dolorosa e quando isto tem o caráter de uma autoflagelação.
Mas o que nos cega não são apenas as ilusões. Somos obcecados pelas imagens egóicas que elas contêm; por isto não conseguimos por os pés no chão, e nem temos condições de descobrir o nosso verdadeiro íntimo.
Toda ilusão deixa a pessoa obcecada, isto é, enredada nas malhas de um conflito não resolvido entre as demandas da realidade e as tentativas de realizar essa ilusão. A pessoa não está disposta a deixar sua ilusão de lado, o que seria um golpe para o ego, mas também não pode eximir-se de encarar as exigências da realidade. Na verdade, ela está presa num conflito emocional que a imobiliza, impedindo qualquer ação capaz de transformar a situação.
A paixão, por exemplo, é o caso típico de obsessão, na qual a pessoa se sente dividida entre dois sentimentos, o da atração e o medo da rejeição. Incapaz de ir avante por causa do medo e de recuar por causa do desejo, sente-se perdida, completamente obcecada, em virtude de um conflito consciente que não consegue solucionar.
As obsessões podem ser também inconscientes, quando são originárias de conflitos que surgiram na infância. Conscientes ou inconscientes, elas limitam a liberdade da pessoa em diversos setores da vida. Mas são as obsessões inconscientes que, à maneira de todos conflitos emocionais não solucionados, assumem uma estrutura corporal na forma de tensões musculares crônicas.
Acossada pelas obsessões, a pessoa não consegue encarar totalmente as exigências da realidade, que assumem um aspecto ameaçador, aterrorizante, pois esta é a imagem que continua sendo vista pelos olhos de uma criança desesperada.
Incapaz de enfrentar a realidade, a pessoa refugia-se em devaneios, construídos pelas ilusões. Esses devaneios fazem parte da vida secreta da maioria , e são constituídos de fantasias dificilmente reveladas pelo indivíduo.
Lowen cita o exemplo de um rapaz que perdeu a mãe aos nove anos de idade, vitimada por um câncer que a manteve presa à cama por muitos anos. Embora muito a amasse, este rapaz pouco se emocionou com a perda, e negava qualquer sofrimento, o que era difícil de se entender. Essa negação era a causa de sua depressão, cujo núcleo era impenetrável.
A ilusão veio à tona em um seminário de bioenergética, após a exposição do caso, quando uma aluna, observando-o, disse: “Você acreditava poder fazer com que sua mãe voltasse do reino dos mortos.” O rapaz respondeu “Sim…” de uma forma medrosa, como se dissesse: “Como é que você sabe?!”. Desnudar tal ilusão, segundo Lowen, constituiu-se num ponto de significativa transformação no curso do tratamento do rapaz.
Insights intuitivos por parte do terapeuta e a compreensão a respeito do momento existencial do paciente são necessários a qualquer terapia. Contudo, se não se consegue descobrir qual é a ilusão de um paciente, pode-se determinar que a pessoa está presa a uma obsessão, podendo-se daí inferir a ilusão. Isto é possível porque as obsessões manifestam-se na expressão física da pessoa.
Há dois modos de se determinar, a partir da expressão corporal, se a pessoa está ou não subordinada a uma ilusão
- Observando-se até que ponto a pessoa está em contato com o chão;
- Observando-se a postura da metade superior do corpo. De ambas as formas podemos visualizar o conflito, ou obsessão, para inferirmos, daí, a ilusão.
Na primeira hipótese pode-se perceber se o paciente está em contato com o chão, observando se a energia da pessoa flui vigorosamente até os pés. Colocando-se a pessoa sob uma posição de tensão, na postura do arco, ou em descarga, na posição do enraizamento, pode-se melhor perceber o fluxo das correntes energéticas que percorrem o corpo, e se elas descem até as pernas e os pés. Se a energia não flui vigorosamente até os pés, o contato sensitivo ou energético fica seriamente limitado. A pessoa, nesse caso, está em suspenso, preso por uma ilusão.
A explicação bioenergética deste fato é a movimentação ascendente da energia, afastando-se dos pés e das pernas. Quanto mais pronunciado o afastamento, mais alto parece que a pessoa subiu, dado que, em termos energéticos ou sensíveis, a pessoa está mais distanciada do chão. Notícias excitantes, embriaguez por álcool ou drogas, a excitação da paixão ou alegria também conferem a sensação de voar, vivenciada às vezes por pessoas esquizóides.
A segunda maneira de visualizar fisicamente a obsessão está na postura da metade superior do corpo. As mais comuns são as seguintes:
Cabide – Esta postura é encontrada somente nos homens : os ombros erguidos e ligeiramente achatados, o pescoço e a cabeça inclinados à frente. Os braços pendem soltos desde a articulação escapular, e o peito também está erguido. Tem-se a impressão de que existe um cabide invisível no corpo do indivíduo.
Uma análise da expressão deste corpo denuncia a dinâmica do conteúdo que o mantém em suspenso. Os ombros erguidos são uma expressão de medo, revelando uma pessoa trancada dentro de uma atitude de medo do qual não consegue se livrar, em razão de não ter consciência de que está aterrorizada.
A obsessão advém do conflito de sentimentos opostos. A pessoa está com medo, mas nega este sentimento. O resultado é que ela não consegue mexer-se por causa do medo e nem fugir porque negou-º Em suma, está emocionalmente imobilizada.
Enforcamento – Esta obsessão está associada à estrutura esquizóide de caráter, e recebeu este nome porque a postura do corpo lembra a figura de um homem que acaba de ser enforcado. A cabeça pende ligeiramente para o lado, como se estivesse rompida a conexão com o resto do corpo.
A personalidade esquizóide não se apóia no chão, e o contato desta pessoa com a realidade é superficial. Há uma ruptura na conexão entre a cabeça e o corpo. Ficar “pendurado” pelo pescoço levanta a pessoa do chão. A área de tensão desta estrutura de caráter localiza-se na base do crânio, sendo justamente esta tensão que cinde a unidade da personalidade. As tensões musculares na base cranial formam um anel na articulação da cabeça com o pescoço, que funciona como um laço para “enforcar”. Trabalha-se, na bioenergética, consideravelmente estas tensões, com o fim de restabelecer a unidade da personalidade.
Cruz – Trata-se de um tipo de obsessão comum nos esquizofrênicos limítrofes, e é percebida quando se pede à pessoa que abra os braços na altura dos ombros. Impressiona a forte imagem que a postura corporal apresenta, mostrando Cristo crucificado ou logo após ter sido baixado da cruz.
- OBSESSÕES COMUNS Á EXPRESSÃO CORPORAL FEMININA
Corcunda de viúva – Nas mulheres, o problema comum que as mantêm em suspenso é a “corcunda de viúva”, massa de tecido que se acumula abaixo da sétima vértebra cervical, na junção do pescoço, ombros e troncos. Acomete às mulheres de mais idade, e é decorrente da contenção e do acúmulo de raiva bloqueada, como resultado de frustrações sofridas de uma vida inteira.
Nesse caso, os sentimentos opostos são a submissão – ser uma boa menina para agradar ao papai e à família – e a raiva decorrente da frustração sexual causada pela atitude submissa. O problema tem raízes na situação edípica em que a menina está presa por sentimentos conflitantes em relação aos pais: de um lado, amor e sentimentos sexuais, de outro lado, raiva e frustração.
O conflito obsessivo paralisa emocionalmente esta mulher, posto que a menina não tem condições de exprimir sua raiva, em razão do medo de ser desaprovada e de perder o amor dos pais, e tampouco pode aproximar-se do pai, amedrontada com a sexualidade do contato, pois isso implicaria fatalmente na rejeição paterna.
Esta rejeição é proveniente do fato de o pai não aceitar a sexualidade da filha. A submissão à exigência de que a filha seja uma boa menina pressupõe a aceitação de uma moralidade ambígua com respeito à sexualidade, imobilizando na mulher a busca de prazer sexual, desenvolvendo ilusões no sentido de compensar a perda da agressividade sexual.
A mulher no pedestal – Esta obsessão também é um outro caminho encontrado pela mulher em virtude da moralidade sexual ambígua, assim denominada porque, nesse caso, o corpo da mulher, da pelve para baixo, parece um pedestal. É rígido, imóvel, e dá a sensação de só servir como base para a metade superior do corpo.
São inúmeras e variadas as obsessões que podem ser detectadas pelo terapeuta, e sempre que visualizá-las, deve compreender e por a nu as ilusões que lhe são subjacentes. A leitura corporal é de grande ajuda para entender a pessoa em suas obsessões. Ainda que elas não sejam de logo identificadas, pode-se ter a certeza de que toda a pessoa cujos pés não estejam energeticamente plantados no chão, tem uma obsessão e problemas emocionais não solucionados.
UM TIPO COMUM DE ILUSÃO
Determinadas ilusões , conquanto não estruturadas fisicamente no corpo, aparecem no comportamento, gesto e atitudes das pessoas. Um tipo bastante comum entre as mulheres é o da esposa perfeita.
A esposa perfeita – É um exemplo típico de ilusão ou meta irreal. Esse desejo secreto de perfeição coloca a mulher numa situação desesperadora. Seu comportamento será compulsivo. Ela tudo fará para provar através de suas ações que é a esposa perfeita. Terá uma atitude hipersensível; por exemplo, interpretará cada manifestação de descontentamento do marido como sinal de fracasso, portanto, como uma rejeição pessoal. Será insensível aos sentimentos do marido, preocupada que está com sua imagem egóica; e a sua conduta forçará o marido a ter as mesmas reações de desprazer que colocam em risco a sua imagem. À medida que aumenta o seu desespero, ela lutará ainda mais compulsivamente para concretizar a sua ilusão, levando a si própria as tornar-se prisioneira de um círculo vicioso.
O curioso é que poucas pessoas são ingênuas a ponto de acreditar conscientemente na ilusão de ser uma esposa perfeita, mãe perfeita ou amigo perfeito, mas o fato é que as ações das pessoas com muita freqüência indicam a presença dessas ilusões no inconsciente. A pessoa supercrítica, por exemplo, trai a sua própria necessidade de ser considerada perfeita. A sua incapacidade de aceitar os outros como são reflete a sua incapacidade de aceitar a si própria. A sua busca de perfeição é uma projeção de suas próprias exigências de si mesma. O perfeccionismo é talvez a mais comum das ilusões e, certamente, uma das mais destrutivas quando se trata de relações humanas. A prova disto é a ilusão da mãe perfeita que exige um filho perfeito, e conduz à rejeição deste filho que necessita da compreensão e apoio maternos.
Existem duas ilusões bastante diferenciadas em nossa cultura – uma relacionada com o dinheiro e outra com o sexo. A ilusão de que o dinheiro é onipotente, de que ele pode solucionar todos os problemas e trazer ao seu proprietário toda alegria e felicidade, é a responsável pelo culto ao dinheiro. De maneira similar, o culto ao sexo provém de uma crença na onipotência do sexo. Na opinião daqueles que partilham dessas ilusões, o encanto sexual, assim como o dinheiro, constituem um poder que pode ser usado para abrir as portas do céu.
A defesa esquizóide, por exemplo, é a que mais acredita na ilusão da onipotência do sexo. As mulheres que possuem esta defesa, de uma forma consciente ou inconsciente, têm uma profunda convicção da irresistibilidade do seu encanto sexual, mesmo quando a aparência diga o contrário. Algumas o demonstram, ao passo que outras têm este sentimento encoberto pelo medo e pela ansiedade. Esta ilusão dá uma importância exagerada ao sexo, negligenciando a personalidade total. A conseqüência é que em vez de se constituir numa expressão de sentimento pelo parceiro, o sexo se torna uma manobra para fazer inflar o ego da pessoa ou estabelecer a sua superioridade.
Contudo, o fato de o sexo ser uma expressão de sentimento e que um corpo sem sentimento é desprovido de sexualidade, são verdades que muitos ignoram. A ilusão do sexualismo toma errôneamente a aparência como se fosse o conteúdo, e confunde “sofisticação” com maturidade sexual. A sofisticação sexual reflete-se na preocupação com o “desempenho”, caso típico de investimento na imagem egóica, em detrimento do verdadeiro prazer sexual, o qual se obtém mediante a entrega ao corpo, pressuposto da maturidade sexual.
DESESPERO E DISSOCIAÇÃO
Embora a renúncia às ilusões seja um passo para a sanidade, ela é invariavelmente acompanhada do desespero que provém do medo do abandono. Contudo, ambos – o medo do abandono e o desespero – são irracionais, pois representam a persistência de sentimentos infantis na idade adulta. (Importante ressaltar que o abandono e o desespero subseqüente são concomitantes ao processo der dissociação do corpo).
Quando a ilusão cai por terra, e o desespero encoberto irrompe na consciência, torna-se possível ao paciente compreender suas ilusões e sua desesperação (conduta desesperada) como conseqüência do desespero que já existia subjacente.
Quanto mais profundo o desespero, mais fortes e mais exageradas serão suas ilusões (ocorrência ao nível do ego); quanto mais poderosas as ilusões, maior será também a desesperação (ocorrência ao nível do corpo).
À medida que uma ilusão ganha força, ela passa a exigir concretização, forçando desta maneira o indivíduo a entrar em conflito com a realidade, e isto é o que produz a sua conduta desesperada.
A busca da realização de uma ilusão requer o sacrifício de sentimentos bons no presente, e a pessoa que vive na ilusão é, por princípio, incapaz de fazer exigências de prazer. Em seu desespero ela está disposta a ignorar o prazer e deixar a vida em estado de latência, na esperança de que a sua ilusão a ser realizada a livrará do desespero.
A presença desses elementos distintos da personalidade – ignorar o prazer na esperança de concretizar a ilusão – é o reflexo da cisão da personalidade ocorrida no passado. Por exemplo, na defesa esquizóide, a repetida negação de necessidade infantil de contato físico gera um sentimento de rejeição que evolui a ponto de transformar-se em desespero. Na luta pela sobrevivência, esta pessoa reprimiu o anseio de gratificação erótica, dissociando-se do seu corpo. Este processo resultou na cisão de sua personalidade, levando-a a formar uma ilusão e um sentimento de desesperação.
A alternância entre ilusão e desesperação não pode ser impedida enquanto prevalecer a cisão da personalidade. Esta cisão se cura através da identificação do ego com o corpo. Esta identificação reduz a desesperação e desnuda a ilusão, deixando-a exposta.
O colapso da ilusão revela o desespero subjacente, que então abre caminho para que a situação infantil seja reconstituída. A esta altura, as experiências traumáticas dos períodos de colo e infância podem ser vivenciadas e liberadas.
Ilusão e desesperação formam um nó que vagarosamente estrangula a vida do indivíduo. Surpreendentemente, o desespero oferece a única saída para esta situação. Se o processo de desesperação é a própria doença, o desespero é a crise que pode conduzir à recuperação.
Veja-se o caso do alcoólatra. Ele não bebe porque está mergulhado no desespero. Ao contrário, o seu hábito é a negação do seu desespero, uma fuga dos seus sentimentos, uma forma de evitar a realidade. Como nega o desespero, ela jamais solicita auxílio. Na verdade, ele é uma pessoa desesperada que não consegue confrontar o seu desespero. As suas ilusões o sustêm. E a sua maior ilusão é que detém o poder de deixar a bebida quando quiser.
Existirá um desespero tão negro que não contenha um raio de luz? Não. Lá, no fundo do poço, existe um raio de luz. A esperança é realista até mesmo no desespero mais profundo, vez que ela admite a possibilidade de desapontamento. A ilusão, por outro lado, não permite dúvida, nem desafios. Por exemplo, a pessoa que tem a ilusão de ser totalmente bem intencionada em suas ações, tornar-se-á irracional quando seus motivos forem contestados. O indivíduo com a ilusão de auto-importância pode ruir se a sua imagem egóica for fortemente contestada.
Já a pessoa em processo de desesperação sente-se à beira de um abismo, aterrorizada com a idéia de que, se se soltar, mergulhará num desespero irremediável. Porém, quando em terapia, ela abandona as suas ilusões, e descobre, surpresa, que não é destruída, e que a esperança existe.
Todo paciente vem para a terapia com o desejo secreto de que esta o habilitará a transformar as suas ilusões em realidade. De início, o compromisso com a terapia é apenas um gesto atrás do qual o ego sustenta suas defesas contra o desespero interior e a impotência. Freqüentemente surgem resistências muitos difíceis de transpor porque ocultam as ilusões do paciente e do terapeuta. Na verdade, as ilusões cedem, mas lentamente.
Aos poucos, no decorrer da terapia, a desesperação dá lugar ao desespero, e o paciente deixa de fugir de si mesmo. No seu desespero, ao perceber que jamais poderá concretizar suas ilusões, ele sente que a terapia fracassou. É só neste ponto que ele revela suas ilusões. O abandono ao desespero é acompanhado de sentimentos de fadiga e exaustão, semelhantes aos experimentados por um soldado após a batalha. Mas a fadiga e a exaustão servem também para impedir qualquer ato desesperado. Apesar do desespero, a destruição das ilusões conduz à transformação, levando a pessoa a compreender o verdadeiro sentido de sua humanidade.
Nosso Corpo
O que todos nós temos em comum como seres humanos é o corpo humano. Nossas experiências passadas podem diferir e nossas idéias podem ser conflitantes, mas somos todos iguais no funcionamento de nosso corpo. Se respeitarmos nossos corpos, respeitaremos o corpo de outra pessoa. Se sentirmos o que acontece em nossos corpos, também sentiremos o que acontece no corpo de outro ser de quem estamos próximos. Se estivermos em contato com os desejos e necessidades de nossos corpos, saberemos as necessidades e desejos de outros. E, ao contrário, se não estivermos em contato com nossos corpos, não estaremos em contato com a vida.
Alexandre Lowen
“Curso de Bioenergética”
Texto compilado e adaptado por Manoel Muricy.
Terapia de Biointegração com José Cláudio Belfort
Salvador, 07 de fevereiro de 2002.