Hector J. Fiorini
Uma teoria das técnicas de psicoterapia requer uma conceituação de seus instrumentos, que está intimamente ligada a urna concepção do processo terapêutico. As intervenções dos terapeutas são instrumentos essenciais desse processo. Assim sendo, é importante deter-se na discussão teórica dos fundamentos e alcances de cada um destes recursos técnicos. Ë importante, sobretudo, clarificar o sentido do emprego de cada uma destas intervenções e seu valor como agente de modificação. Para esta compreensão concorrem valiosamente toda a vasta experiência clínica acumulada no campo das psicoterapias, certas contribuições teóricas e técnicas da psicanálise, a teoria e as técnicas centralizadas na comunicação, teorias da aprendizagem e conceitos provenientes da psiquiatria social e da teoria das ideologias.
Um inventário de intervenções verbais do terapeuta que são ferramentas nas psicoterapias inclui necessariamente as seguintes:
- Interrogar o paciente, pedir-lhe dados precisos, ampliações e aclarações do relato. Explorar em detalhe suas respostas.
- Proporcionar informação.
- Confirmar ou retificar os conceitos do paciente sobre sua situação.
- Clarificar, reformular o relato do paciente, de modo a que certos conteúdos e relações do mesmo adquiram maior relevo.
- 5 – Recapitular, resumir pontos essenciais surgidos no processo exploratório de cada sessão e do conjunto do tratamento.
- Assinalar relações entre dados, sequências, constelações significativas, capacidades manifestas e latentes do paciente.
- Interpretar o significado dos comportamentos, motivações e finalidades latentes, em particular os conflituosos.
- Sugerir atitudes determinadas, mudanças a título de experiência.
- Indicar especificamente a realização de certos comportamentos com caráter de prescrição (intervenções diretivas).
- Dar enquadramento à tarefa.
- Meta-intervenções: comentar ou aclarar o significado de haver recorrido a qualquer das intervenções anteriores.
- Outras intervenções (cumprimentar, anunciar interrupções, variações ocasionais nos horários etc.).
Pelo fato de muitas destas intervenções se acharem historicamente ligadas ao desenvolvimento da técnica psicanalítica e de que esta aparece como a técnica psicoterapêutica com maior respaldo teórico de base, torna-se importante para uma teoria geral das técnicas de psicoterapia deslindar as condições de uma utilização técnica diferente destas intervenções, isto é, compará-las com o sentido de sua utilização tradicional na psicanálise. Acho que isto pode contribuir para que se evitem extrapolações indevidas de uma técnica para as outras, permitindo-se a estas últimas que construam suas próprias leis.
1 – Interrogar
É um dos recursos essenciais ao longo de todo o processo terapêutico, não apenas em seu início. Em psicoterapia, perguntar é continuamente consultar a consciência do paciente; é também sondar as limitações e distorções dessa consciência; é, ainda, transmitir um “estilo interrogativo”, um modo de se colocar frente aos fenômenos humanos com atitude investigadora. Revela também um terapeuta não onipotente; isto é básico: na formulação de perguntas ao paciente e no emprego dos dados por ele fornecidos, está contido um vínculo com papéis cujo desnível é atenuado, embora se tratem de papéis diferentes.
Ao pedir detalhes precisos sobre cada situação pode-se transmitir, além do mais, um respeito do terapeuta pelo caráter estritamente singular da experiência do paciente, isto é, uma atitude não esquemática, que não sofre a tentação das generalizações fáceis. Ë também unia maneira de indagar sobre a perspectiva em que o paciente coloca sua situação: cada resposta às perguntas do terapeuta contém elementos (de conteúdo e forma) reveladores de um mundovisão pessoal, completamente singular, da situação.
Estas influências do perguntar nas psicoterapias merecem ser destacadas, numa cultura profissional como a nossa, influenciada marcadamente pela prática técnica da psicanálise, já que nesta última nem sempre é tão decisivo pedir detalhes sobre as situações reais a que se alude em sessão, visto que freqüentemente se procura construir um modelo de fantasia inconsciente vincular latente a partir dos conteúdos manifestos do relato. Neste caso, para abstrair o vínculo objetal contido no relato, muitos detalhes podem ser tomados como acréscimos irrelevantes do manifesto. Nas psicoterapias, pelo contrário, é necessário trabalhar muito mais sobre as situações de realidade do paciente, indagar a complexidade psicológica das mesmas, enredada precisamente em muitos detalhes e matizes reais da situação. Um exemplo: se na psicanálise um paciente começa a falar, em sessão, das brigas que tem com o pai por causa do negócio em que ambos são sócios, negócio que o pai tende a conduzir autoritariamente, é provável que estes elementos bastem para que se comece a pensar na problemática da dependência na transferência. Na psicoterapia dinâmica, por exemplo, importará averiguar muitos dados de realidade. Como foi que os dois se associaram, de quem foi a iniciativa, se houve acordos prévios sobre a direção da empresa em comum, que perspectivas tem o paciente sobre seu futuro econômico, a atividade se ajusta a seus interesses vocacionais, como encara sua esposa esta sociedade etc.? Cada um destes detalhes fornecerá elementos para enriquecer hipóteses que aspirem a dar conta de uma situação (mundo interno-mundo interpessoal em suas ações recíprocas) com seus complexos e variados matizes.
FRAGMENTO DE UMA SESSÃO DE PSICOTERAPIA
T: ‘Que valor teve para o senhor o fato de ela lhe telefonar antes da viagem?”
P: ‘Um valor duvidoso, porque ela lhe telefonou quando já não nos podíamos encontrar. De qualquer modo, gostei, não é?”
T: “Como foi que o senhor lhe transmitiu seu interesse por ela?”
P: “Eu lhe disse: ‘Que azar você não me ter encontrado ontem! Poderíamos ter marcado um encontro’.”
T: “Para o senhor, isso dela, já que foi dito assim tão em cima da hora de partir, não expressava um compromisso profundo?”
P: “Claro, acho que para um compromisso maior não se espera dois meses para o momento de se despedir. Essas coisas me dão raiva.”
T: “Segundo o senhor havia comentado, ela em geral não é de expressar seu interesse pelos demais; espera que se interessem por ela. Sendo assim, o fato de ela lhe telefonar não tinha um valor especial?”
P: “Sim, encarado do ponto de vista de como ela é em geral, pode-se dizer que me estava dando uma bola bárbara, mas acontece que para o meu gosto o modo de agir tem que ser diferente, nada de rodeios.”
T: “Que lhe disse o senhor ao se despedir? Como deixou colocada a coisa?”
P: “Disse para ela: ‘Olhe, gostei de me ter telefonado, mas espero que quando voltar não esteja tão ocupada, ouviu? Tchau.”
Como se pode ver, estas respostas revelam um estilo, o funcionamento egóico do paciente para avaliar a situação inter-pessoal, suas exigências dentro de uma ótica narcisista, a contribuição do paciente com suas mensagens para uma situação evitativa, embora arriscando algumas demonstrações do interesse pessoal pela outra pessoa. Perguntar aqui, e em detalhe, permite então que se obtenha grande quantidade de informação, de níveis mais amplos que os de uma mera ampliação “de detalhe” do conteúdo manifesto de um relato. As experiências sobre a utilidade de uma indagação minuciosa são abundantes. Assim sendo, é possível que “perguntar muito” seja uma das primeiras regras de uma técnica psicoterapêutica eficiente.
Uma variedade particular de exploração, sumamente rica, é a que se apóia em intervenções dramatizadoras do terapeuta:
— “Imagine por um momento este diálogo: ao contrário do que a senhora acreditava, ele se decide casar, chega e lhe diz de supetão: ‘Me decidi: vamos casar no fim do ano!’ Que resposta a senhora lhe dá?”
— “Vejamos: vem seu pai e lhe diz: ‘Não vou te dar agora o dinheiro que te cabe, porque preciso dele para um negócio urgente’. Como o senhor lhe responderia para que ele confirme, uma vez mais, que não tem por que pedir-lhe permissão para usar seu dinheiro?’’
Simplesmente perguntando, dramatizando ou não, o terapeuta põe em ação vários estímulos de mudança: um, primordial, é que exercita com o paciente uma constante ampliação do campo perceptivo (reforçamento de uma das funções egóicas básicas); e mais: toda explicitação verbal recupera fatos, relações, que se achavam no mundo do implícito emocional. Liberman destacou, além disso, o papel reforçador do ego que está contido na experiência de ouvir-se falar. Todo estímulo para a explicitação visa a romper as limitações e o encobrimento presentes no uso cotidiano da linguagem convencional. Por exemplo: Que quer dizer: “fui apresentado a ele, e ele se mostrou trio no trato”? Em que consiste a “frieza” dos outros para cada uni? Supõe-se uma observação não participante neste discurso, porque qual foi o “calor” com que, em compensação, contribuiu o sujeito? Na psicoterapia, é essencial passar dos dados iniciais da experiência subjetiva à análise minuciosa das situações. Toda situação levanta numerosas questões. Talvez algo importante para o terapeuta seja compreender que não se trata de indagar para só depois operar terapeuticamente, mas sim que a própria indagação já contém estímulos terapêuticos de particular importância.
2 – Informar
O terapeuta é não apenas um investigador do comportamento, mas também o veículo de uma cultura humanista e psicológica. Sob este aspecto, o terapeuta cumpre uma função cultural: é docente, dentro de uma perspectiva mais profunda e abrangente de certos fatos humanos. Esta perspectiva é também alimentada com informação, já que o déficit de informação é um componente às vezes tão importante para a obscuridade e a falsa consciência de uma situação como os escotomas criados pelos mecanismos repressivos individuais.
Nas psicoterapias é altamente pertinente aclarar para o paciente elementos de higiene sexual, perspectivas da cultura adolescente atual, ou a problemática social da mulher. Também, explicar-lhe (pode ser útil, inclusive, servir-se de esquemas) certos aspectos da dinâmica dos conflitos. Esta informação pode ampliar-se pela recomendação de leituras. A experiência mostra que a mensagem que o paciente retira dessas leituras, sua experiência global frente à “bibliografia”, é sumamente rica para esclarecer conflitos de toda índole (conflitos com o tema, com o saber, com o autor, com o terapeuta). Proporcionar ou facilitar esta informação geral que enquadra a problemática do paciente desempenha um papel terapêutico especifico: cria uma perspectiva dentro da qual os problemas do paciente, com toda a sua singularidade, deixam de ser vistos como algo estritamente individual que “só a ele” acontece. A falta deste quadro de referência cultural favorece, inversamente, a sensação de ser o único com tais problemas, isto é, uma perspectiva ditada pelo superego (acusador, às vezes, também, a partir de seu complementar ideal do ego narcisista onipotente). Ao entrevistar famílias, por exemplo, verifiquei que é importante incluir referências sobre as dificuldades gerais que a família, enquanto instituição, enfrenta socialmente. Encaradas dentro desse quadro de referência, todas as dificuldades particulares do grupo tornam-se logo passíveis de abordagem, sem o clima persecutório que é criado torçosamente pelo fato de alguém ficar meramente ocupado vendo “o que acontece com este grupo que vai mal” (com a suposição tácita de que todas as demais famílias funcionam bem, donde se conclui que os problemas desta decorrerão exclusivamente dos defeitos de seus indivíduos).
Naturalmente, esta informação vem a ser sumamente relevante se a entendermos, também, como portadora de um questionamento social das dificuldades criadas para indivíduos e grupos inseridos no conjunto do sistema. Ou seja, não simplesmente saber “que outros também têm dificuldades”, mas esboçar uma interpretação de que contradições existentes entre exigências e possibilidades dos grupos humanos são mobilizadas pelas contradições da estrutura social vigente. Tratar a problemática psicológica sem esta perspectiva crítica é criar a ilusão de que a enfermidade é assunto estritamente pessoal do paciente, de seus dinamismos intrapsíquicos e, no máximo, dos de seus pais. Não informar, em tais circunstâncias (omissão técnica), constitui de fato um falseamento da ótica psicossocial necessária para compreender os dinamismos psicológicos individuais e grupais (distorção ideológica),
3 – Confirmar ou retificar enunciados do paciente
Este tipo de intervenções é inerente ao exercício de um papel ativo do terapeuta nas psicoterapias. A retificação permite ressaltar os escotomas do discurso, as limitações do campo da consciência e o papel das defesas desse estreitamento. Estas Intervenções contribuem para enriquecer esse campo. É sumamente proveitoso observar em detalhe como o paciente manipula a contribuição retificadora do terapeuta (assumindo-a e usando-a, aceitando-a formalmente, ou negando-a e retornando a sua perspectiva anterior). A confirmação pelo terapeuta de uma determinada maneira de compreender-se do paciente não é, certamente, um acontecimento de pouca importância. Contribui para consolidar nele uma confiança em seus próprios recursos egóicos; isto significa que toda ocasião em que o terapeuta possa estar de acordo com a interpretação do paciente é oportuna para estimular seu potencial de crescimento. Em pedagogia, estas intervenções se destacam como essenciais para um princípio geral da aprendizagem: o reforço de desempenhos positivos.
A capacidade de o terapeuta atuar flexivelmente com retificações e confirmações dos enunciados do paciente é fundamental para criar um clima de equanimidade, próprio de uma relação “madura”. A falta desse clima de equanimidade parece refletir-se na queixa de muitos pacientes de que a sessão só serve para apontar seus defeitos e erros. Nestes casos, creio, que se assiste a uma ligação transferencial-contratransferencial muito particular: o paciente, acossado por suas auto-agressões superegóicas, encontra no terapeuta intervenções predominantemente retificadoras, acentuadoras do seu lado “enfermo”, que encarnam o superego projetado, materializam-no. Com este papel contratransferencial assumido, fecha-se uma estrutura de vínculo infantil de dependência, tendente à inércia e não ao crescimento.
RETIFICAÇÕES
— “A senhora destaca como seu marido estava mal-humorado, que se mostrou pouco receptivo para o que a senhora lhe queria transmitir; mas não menciona como a senhora se encontrava nesses momentos, como se aproximou dele, transmitindo o quê, e bem como se encontrava antes, no momento de sair.”
— “Veja, não creio que somente tivesse sentido medo de se aproximar e medo de que a relação amorosa não fosse sair tio perfeita como da vez anterior: porque havia dados demonstrativos de que os dois continuavam bastante ligados. Acho que sentia medo também de fr tio rápido, em três dias, de tanta entrega de um para com o outro.”
— “O senhor parte da idéia b6sica de que uma conquista, como foi esta promoção, tem que deixá-lo muito contente, porque era o que o senhor desejava; não resta dúvida, mas, por outro lado, essa conquista significa mudanças, deixar o que já tinha como próprio; indica também que o tempo passa e que o senhor já não 6 mais uma criança.”
CONFIRMAÇÕES
— “A senhora pensou que algo no seu comportamento desse dia havia influído para que ele se fechasse; e 6 muito provável, porque quase sempre as situações de incomunicação no casal se criam, sutilmente, pela ação recíproca de ambos. Parece-me importante que a senhora tenha podido detectar também o seu lado do problema, porque, alertada para esta possibilidade, talvez consiga ir observando com maior sutileza como é que os dois procedem para criar estes poços de incomunicação.”
— “Acho que a senhora também percebeu que lhe dava medo continuar a ‘envolver-se’ quando disse a ele que também tinha muita vontade de vê-lo logo, depois desligou o telefone, sentiu uma aflição no estômago e reparou que estava tensa. Acho que vai se conhecendo melhor nesse medo que não julgava ter quanto às relações de casal.”
— “Sim, certamente, além de deixá-lo feliz, esta mudança contribuiu para os sentimentos de pesar que o invadiram na mesma hora em que recebeu a notícia. Estou de acordo com o senhor: até o fato de ganhar uma fortuna pode obrigar à perda de certas coisas e trazer com isso, paradoxalmente, uma certa tristeza.”
A resposta do paciente a estas confirmações é também rica em sugestões: é um índice do nível em que se registra o acordo, ou mais maduro (aceitação do próprio potencial de avaliação realista de suas circunstâncias), ou mais infantil (confirmação de sentimentos de onipotência, ou, inversamente, negação da evidência de suas capacidades e refúgio nas do terapeuta). O trabalho em cima de tais respostas é, por isso, ocasião de elaborações imediatas sumamente produtivas.
4 – Clarificações
Estas intervenções visam a conseguir desembaraçar o relato emaranhado do paciente a fim de recortar os elementos significativos do mesmo. Freqüentemente essa clarificação vem por meio de uma reformulação sintética do relato. Depois de ouvir por vários minutos, o terapeuta diz:
— “Então o senhor trabalhava confiante em que tudo ia bem, até que esta pessoa lhe fez uma critica, e dai pra frente o senhor começou a duvidar de tudo o que fez, e esta dúvida serviu de fato para alterar o seu rendimento subseqüente.”
— “Nestes dias todos, durante a viagem, havia um clima de paz; de repente, sem que o senhor saiba como, todo esse clima se desfez e voltaram a surgir desconfianças e censuras.”
— “O senhor fala agora não apenas de um problema afetivo dentro da relação de casal, mas de uma dúvida sua, mais geral, sobre o que o senhor pode dar de si também em outros planos, com seus amigos, no trabalho.”
Estas intervenções vão preparando o campo para uma penetração nos aspectos psicologicamente mais ricos e compreensivas, o que se fará por meio de assinalamentos e interpretações. Ao mesmo tempo, “ensinam” um modo de perceber a própria experiência: o paciente aprende com elas a observar seletivamente, a percorrer a massa dos acontecimentos e de suas vivências e a fixar pontos marcantes, incorporando, assim, um método que faz chegar à autocompreensão pela discriminação. Em pacientes com funções egóicas enfraquecidas, concomitantemente afetadas por uma delimitação precária do ego (ou seja, tendências ao sincretismo e à confusão), as clarificações desempenham, durante grande parte do processo terapêutico, o papel de instrumentos primordiais, na medida em que assentam as premissas para que em algum momento outras intervenções, de tipo interpretativo, por exemplo, possam ser ativamente elaboradas.
5 – Recapitulações
A certa altura da sessão, o terapeuta diz:
— “Hoje, então, surge em primeiro lugar a circunstância de como o senhor sempre sofreu, passivamente, o domínio de sua mãe, não se animou a explodir nunca, e isso deixou também no senhor um ressentimento enorme consigo mesmo. Depois aprece esse seu modo de estar alerta frente a qualquer propósito de dominação por parte de sua esposa. algo que o torna muito suscetível. E agora isto de o senhor não se 4edicar a si próprio, não se cuidar, não se interessar por sua roupa, nem reclamar o cargo que lhe cabe, como se se odiasse. Preste atenção nestes três elementos que aparecem hoje porque deve haver entre eles muitas ligações que abarcam sua família, seu casamento e seu trabalho.”
A certa altura do tratamento, o terapeuta diz:
— “Nos últimos três meses o senhor se havia concentrado no problema que vinha tendo com os estudos. Enquanto isso, a situação sentimental ficava relegada a um segundo plano, como para não remoer tanta coisa ao mesmo tempo.”
— “Agora, aclarado o problema vocacional, ‘está na vez’ dos sentimentos e o senhor nestes últimos dias não faz outra coisa senão pensar na sua situação sentimental — e o faz com ênfase excessiva, provocada pela espera.”
E em outro tratamento:
— “Até agora, a maior parte do esforço que a senhora fez no tratamento foi para começar a diferenciar quem era a senhora e quem era a sua família (mamãe, papai, irmão) e dar-se conta de que não eram uma só pessoa, nem um corpo único. Só agora entra no trabalho de começar a ver, a descobrir o que a senhora pode fazer consigo mesma, o que pode sair da senhora que não venha deles, e sente-se confusa porque está muito no início desta etapa.”
Tal como as clarificações, estas intervenções estimulam o desenvolvimento de uma capacidade de síntese. Em nosso meio, por uma questão de simples hipertrofia do trabalho “analítico”, muitos terapeutas são levados a descuidar do momento sintético, tão essencial como aquele e complementar do mesmo. Sempre que não sofra distorções, como quando a tomam por indutora de fechamentos estáticos, esta atividade de síntese é fundamental no processo terapêutico para produzir recortes e “fechamentos” provisórios (como os degraus de uma escada rolante). Sem se firmar em contínuas sínteses provisórias, o processo de pensamento não avança. Permanece estancado, sem trampolins, em uma zona difusa e ilimitada de fragmentação “analítica”, em segmentos cada vez menores. Sartre mostrou que a dialética do conhecimento opera por meio de um movimento contínuo de totalização-destotalização-retotalizações, movimentos através do qual se visa a uma “autodefinição sintética progressiva”. As recapitulações, corno as interpretaçôes panorárnicas (diferenciadas das microscópicas), são instrumentos essenciais desse processo.
Em um paciente com difusão da identidade (limites imprecisos do ego) e enfraquecimento egóico numa etapa de crise, o método de recapitulações contínuas (ao final de cada sessão e em períodos de três ou quatro sessões) foi considerado altamente proveitoso. Surgiu por proposta do paciente, depois de haver notado que só conseguia pensar a partir dessas recapitulações. No meu entender, estas intervenções ofereciam um suporte provisório no qual se apoiavam, para exercitar-se, seus recursos egóicos (percepção, reflexão, descobrimento de relações).
6 – Assinalamentos
Estas intervenções, de uso constante nas psicoterapias, atuam estimulando no paciente o desenvolvimento, de uma nova maneira de perceber a própria experiência. Recortam os elos de uma seqüência (“primeiramente a senhora recebeu essa notícia e, em seguida, sem saber por que, começou a se sentir deprimida”), chamam a atenção sobre componentes significativos dessa experiência habitualmente passados por alto (“observe em que momento o senhor decidiu telefonar para ela: justamente quando já não tinham tempo para se encontrar”), mostram relações peculiares (“já aconteceu várias vezes surgir aqui o tema de suas relações sexuais e o senhor me diz que se faz um branco em sua mente e que já não 6 capaz de recordar mais nada”). Estes assinalamentos convidam a um acordo básico sobre os dados a interpretar, criam oportunidades de modificar esses dados, são o trabalho preliminar que assenta as bases para interpretar o sentido desses comportamentos. Nas psicoterapias, talvez se constitua em uma regra técnica geral a conveniência de assinalar sempre, apites de interpretar. O fundamento desta regra está em que o assinalamento estimula o paciente a se interpretar a si próprio com base nos elementos recortados, é um apelo à sua capacidade de autocompreensão. É sumamente útil que esta capacidade seja ensaiada insistentemente (treinamento reforçador do ego) e cm particular com o terapeuta, que pode então ir guiando o desenvolvimento destas capacidades no ato mesmo de seu exercício. Dado o caráter docente da relação de aprendizagem que é a psicoterapia, é melhor que a tarefa possa ser desenvolvida pelo “aluno” sozinho, com poucas indicações; também porque muitas vezes o docente aprende com seu aluno.
— “O senhor chega, encontra-a distante, de mau humor, o senhor se mostra carinhoso, quer o carinho dela. Daí a pouco o mau humor passa. ela se aproxima e então o senhor a ataca. Que lhe parece este vaivem, como o senhor o interpretaria?”
— “Começou falando de seu fracasso de ontem na assembléia. De repente, cortou o que estava dizendo para lembrar-se de que obteve a nota mais alta de sua comissão. Como encara esta mudança de tema?”
Nas respostas do paciente a cada um destes assinalamentos revelam-se com grande nitidez sua capacidade de insight (aproximação ou distanciamento de seus dinamismos psicológicos), seus recursos intelectuais (aptidão para abstrair e estabelecer relações versus adesão a um pensamento concreto), o papel dos mecanismos defensivos (inibições, negações, racionalizações) e a situação transferêncial (cooperação, perseguição etc.). Cada assinalamento se transforma em um verdadeiro teste global do momento que o paciente está atravessando no processo terapêutico.
7 – Interpretações
Especialmente nas psicoterapias de esclarecimento, a interpretação é um instrumento primordial como agente de modificação: introduz uma racionalidade possível onde até então havia dados soltos, desconexos, ilógicos ou contraditórios para a lógica habitual. Propõe um modelo para a compreensão de seqüências de fatos na intervenção humana. É freqüente induzir também a passagem do nível dos fatos para o das significações e para a manipulação singular que o sujeito faz dessas significações. Procura descobrir com o paciente o mundo de suas motivações e seus sistemas internos de transformação das mesmas (“mecanismos internos” do indivíduo), assim como suas modalidades de expressão e os sistemas de interação que se estabelecem, dadas certas peculiaridades de suas mensagens (“mecanismos grupais”).
É importante recordar que toda interpretação é, do ponto de vista metodológico, uma hipótese. Sua verificação se cumpre, por conseguinte, como um processo sempre aberto e jamais terminável, com base no acúmulo de dados que sejam compatíveis com o modelo teórico contido na hipótese e, fundamentalmente, pela ausência, com o correr do processo investigador instaurado na terapia, de dados que possam refutar aquela hipótese. Era princípio, nenhuma hipótese (até as interpretações mais básicas sobre a problemática individual de um paciente) é suscetível de verificação definitiva que a dê como assentada na condição de saber acabado. Como empreendimento que visa ao conhecimento, nenhuma psicoterapia possui maiores garantias de “saber” que as que estabelecem as limitações inerentes ao processo geral do conhecimento humano. Esta consciência das limitações cognitivas da interpretação pode expressar-se de muitas maneiras na atitude do terapeuta, na construção da interpretação, no seu modo de emiti-la, maneiras que terão em comum o sinal de certa humildade, O tom de voz, a ênfase dada, as atitudes gestuais e posturais, se prestam para transmitir essa humildade que resulta da consciência de suas limitações, ou então o oposto: o desempenho de um papel de autoridade que emite “verdades” sem jaça. Neste último caso, o que se estará propondo e utilizando é toda uma concepção estática do conhecimento, estimulando-se uma relação terapêutica de dependência infantil (adulto que sabe-criança que ignora), com o que a distorção do processo terapêutico é total. Em uma psicoterapia, é essencial que o conhecimento seja vivido como uma práxis, isto é, como a tarefa a ser realizada entre duas ou mais pessoas que chegaram a um acordo numa relação de trabalho.
O caráter hipotético da interpretação sobressai também na construção de seu discurso. Formulações que destaquem seu caráter condicional (“É provável que, “Temos que ver, como uma possibilidade, se, “Uma idéia, para nos munirmos de mais dados e verificar se é assim, seria que, “Uma visão possível do problema consiste em pensar que) sublinham nitidamente aquele caráter. Sua ausência tende visivelmente a obscurecê-lo.
As interpretações em psicoterapia devem cobrir um amplo espectro:
A. Proporcionar hipóteses sobre conflitos atuais na vida do paciente, isto é, sobre motivações e defesas.
“Neste momento sua paralisia em relação ao estudo expressa possivelmente um duplo problema: não pode abandoná-lo porque o título é importante para o senhor e para a sua família; ao mesmo tempo, evita dar qualquer novo passo porque isto significaria efetivamente diplomar.se e mudar de vida, ter que ir para a frente sozinho.”
B. Reconstruir determinadas constelações históricas significativas (por exemplo, momentos marcantes na evolução familiar).
“O que parece haver acontecido ~ que, naquele momento, quando seu pai se viu diante da empresa arruinada e se sentiu deprimido, o senhor se achou na obrigação de adiar todos os projetos pessoais e socorrê-lo; mas não registrou isso como uma decisão própria, e sim como imposição dele.”
C. Explicitar situações transferênciais que pesem no processo.
“O senhor tem sofrido pela perda desta amizade, que tanto o afetou. Teve então uma experiência dolorosa do que significa depender muito de outra pessoa. Acho que esta experiência está pesando no senhor, a ponto de torná-lo reticente aqui na sessão, e fazer com que prefira não se entregar muito a mim. Está tomando tam’4m suas precauções para não vir a sofrer por causa de nossa separação daqui a 2 meses, quando passar para o grupo.”
D. Recuperar capacidades do paciente negadas ou não cultivadas.
“O senhor se viu, de repente, ante a obrigação de decidir o que fazer com esse emprego. Seu pai estava ausente e não podia ser consultado, de modo que o senhor pôde, não só decidir, suas dar sua opinião sobre em que condições essa tarefa deveria ser cumprida. Veja só tudo o que o senhor não sabia (não queria crer) que podia fazer por iniciativa própria.”
E. Tomar compreensível a conduta dos outros em função dos novos comportamentos do paciente (ciclos de interação compreensíveis em termos comunicacionais).
“Desta vez seu pai acedeu. Pensemos se não terá sido porque o senhor colocou seu problema de outra maneira, com uma atitude mais firme, talvez mais adulta, que ele o atendeu com um respeito diferente. Com sua atitude, o senhor lhe estava dizendo ‘não vou aceitar que me trate como uma criança, porque já não me sinto uma criança’, e evidentemente ele notou a mudança.”
F. Destacar as conseqüências que decorrerão de o paciente encontrar alternativas capazes de substituir estereótipos pessoais ou grupais.
“Como reagiria seu namorado se a senhora lhe mostrasse que é capaz de resolver um assunto pessoal sem consultá-lo? Continuaria com a mesma atitude dominante? Só vendo…”
Em contraste com a técnica psicanalítica, onde um determinado tipo de interpretação (transferencial) é privilegiado como agente de modificação, nas psicoterapias, uma vez que se trabalha simultânea ou alternativamente com vários níveis e mecanismos de modificação, não existe uma hierarquia para os tipos de interpretação: todos eles são instrumentos igualmente essenciais dentro do processo. Cada paciente e cada momento de seu processo requererão particularmente certo tipo de interpretação; esse será o que melhor se ajuste tecnicamente ao momento dado, mas toda distinção hierárquica que se atribua a algum tipo de interpretação será transitória, conjuntural.
8 – Sugestões
— “Seria interessante ver o que acontece, como seu pai reagiria, se o senhor lhe mostrasse em sua atitude que está realmente disposto a encarar a fundo com ele tudo o que está pendente entre ambos.”
— “‘Talvez o mais necessário para o senhor seria que se organizasse mentalmente, traçasse um quadro com suas prioridades.”
— “Em vez de precipitar-se a tomar uma decisão que sinta como sua de fato, talvez lhe convenha mais deter-se algum tempo em rever o que aconteceu, verificar qual foi o seu papel em tudo isto, e, inclusive, detectar melhor o que está sentindo intimamente.”
Com estas intervenções, o terapeuta propõe ao paciente condutas alternativas, orienta-o para ensaiar experiências originais. Mas o sentido de tais intervenções não é meramente o de promover a ação em direções diferentes, e sim o de proporcionar insights a partir de ângulos novos. Fundamentalmente, contêm um pensamento que antecipa a ação (aspecto relevante dentro do conjunto de funções egóicas a exercitar em todo tratamento), que facilita uma compreensão prévia à ação. A ação ulterior, caso chegue a ser experimentada, poderá dar ocasião a confirmações, reajustamentos ou ampliações do insight prévio. Muito freqüentemente fornecerá novos dados e com eles uma nova problemática a investigar. Com a compreensão destas fases do processo que se inicia por uma sugestão, este tipo de intervenção adquire uma eficácia particularmente interessante.
Um tipo de sugestões (quase-sugestões) se apóia no uso de dramatizações imaginárias de outras alternativas para o comportamento interpessoal:
— “Que teria acontecido se nessa hora a senhora o interrompesse e dissesse: ‘Escute aqui, não me venha com indiretas, o que é que você está querendo me dizer com tudo isto, afinal o que é que você sente por mim?”’
Ou então:
— “E se a senhora telefonasse para ele e dissesse: ‘Tudo o que você me falou ontem me pareceu meio estudado e ficou meio ao ar. Quero isto mais definido’, como acha que ele reagiria?”
Este tipo de intervenções constitui um caminho diferente para o insight sobre as próprias dificuldades, sobre as dificuldades do outro e sobre a dinâmica da comunicação entre ambos. Opera fazendo ressaltar contrastes entre o vivo e o possível, e estes contrastes não são comentados em um discurso de “idéias”, e sim mostrados graças a uma linguagem de ação. Contêm uma compreensão que fica muito próxima tanto do que foi vivido como do que pode vir a sê-lo. Um paciente experimentou assim essa proximidade:
— “Outro dia estava envolvido numa discussão com minha mulher e naquele momento me lembrei de algo que o senhor me havia dito numa sessão passada: ‘E o que aconteceria se, quando ela ficasse violenta, o senhor a freasse?’ Fiz isso na mesma hora.., e não aconteceu nada!”
As sugestões em psicoterapia geralmente (exceto em situações agudas de crise) vêm inserir-se em desenvolvimentos do processo terapêutico com base nos demais tipos de intervenção. São oportunas quando as condições do paciente para assumi-las (redução de ansiedade a níveis toleráveis, fortalecimento egóico) e as do vínculo interpessoal em funcionamento chegaram a um momento de sua evolução que as torne “fecundas”, receptivas para esse tipo de estimulo, O terapeuta deverá detectar, inclusive, um momento dessas condições e do desenvolvimento do vinculo em que “faça falta” uma experiência diferente, nova, para que muito do que foi esclarecido se cristalize em ato. A sugestão recorre, indubitavelmente, com a dramatização, ao papel revelador do ato, à riqueza vivencial do fato, de que muitas vezes carece o discurso reflexivo.
9 – Intervenções diretivas
— “Suspenda toda decisão imediata sobre o problema de seu casamento. O senhor agora não se encontra em condições de enfrentar mais uma mudança.”
— “Se surgir uma oportunidade de o senhor falar a sós com seu pai, tente fazê-lo; ainda que não consiga dizer tudo o que gostaria de colocar diante dele, veja até onde consegue chegar, de que modo o consegue e qual a reação dele.”
— “Até nossa próxima entrevista, procure observar atentamente, na relação com sua esposa, quantas vezes e em que momentos o senhor tende a se mostrar violento e exigente.”
— “Para que o senhor perceba melhor qual é a sua dificuldade no diálogo comigo, traga o gravador; assim, depois o senhor ouvirá tudo sozinho em casa e examinaremos o fato juntos nas sessões seguintes.”
As diretivas que surgem em psicoterapia referem-se, como se vê nestes exemplos, tanto a necessidades próprias do processo terapêutico como a atitudes-chave a serem evitadas ou ensaiadas fora da relação terapeuta-paciente.
Uma cultura psicoterapêutica de forte influência psicanalítica (que atribui valor preferencial à aquisição de atitudes novas posteriores a um insight, tende, com freqüência, a questionar a validez e a utilidade das intervenções diretivas. Todos os que sofremos as pressões dessa influência (o superego analítico) tivemos que passar por um longo processo de luta para descobrir na prática clínica que tais intervenções, empregadas no momento certo e com tato terapêutico, eram instrumentos valiosos e necessários em todo processo psicoterapêutico. (Foi a consciência de sua necessidade e a experiência de sua utilidade que nos levaram claramente a inverter tal ponto de vista: questionável é a não-utilização deste tipo de intervenções em situações que claramente as requerem; já discutiremos como caracterizar tais situações).
Antes, convém analisar de que maneira podem ser compreendidas as influências exercidas pelas intervenções diretivas. Há um nível de ação no plano do ato em si mesmo, a que se refere o conteúdo da intervenção. Se o ato pode ter as conseqüências de uma decisão importante, a intervenção tem condições de desempenhar um papel preventivo, valorizável não em termos de dinamismos (pensando muito seletivamente na transferência, pensa-se facilmente em “não fazer o jogo das exigências regressivas”, por exemplo), mas sim em termos de existência. Justamente o vício das oposições “psicanalíticas” ao uso em psicoterapias de intervenções diretivas consiste em dar mais valor a óticas parciais (dinamismos transferênciais, riscos contratransferênciais) do que a uma ótica centralizada na existência. Esta ótica, no entanto, leva em conta e mesmo confere tratamento privilegiado ao plano das experiências concretas e das conseqüências concretas que decorrem dessas experiências: considera-se importante, por exemplo, que a decisão precipitada de consumar um divórcio, quando não há condições para que ele seja tolerado satisfatoriamente, possa ser adiada.
Este plano de existência é importante, mas não é o único em jogo quando são emitidas diretivas, Outro é o das aprendizagens. É possível pensar que o que se produz ou se evita nessa oportunidade deixa “um saldo interno”, incorpora-se como experiência transferível para outros contextos. A experiência clínica repetidamente dá mostras disso.
Outro nível de atuação está no insight que se pode obter depois da ação. Fazer ou não fazer algo que resultava “natural” transforma-se em uma experiência original. Uma análise do sentido de uma atitude anterior ou da nova (induzida), sua comparação minuciosa, servem de ocasião para uma elaboração freqüentemente rica. A experiência clínica mostra fartamente que, em psicoterapias, diretividade e insight não são em princípio antagônicos. Muitas vezes, pelo contrário, funcionam como complementares. As dificuldades que o paciente teve para trazer seu gravador e em seguida escutar sua sessão foram claramente ilustrativas. Tiveram o valor do vivido, do ato, submetido às condições de uma observação particularmente atenta.
Jay Haley forneceu ilustrações sobre o uso de um tipo particular de intervenções diretivas cujo propósito consiste em produzir “manobras comunicacionais” (por exemplo: prescrição do sintoma, destinada a criar situações paradoxais no uso interpessoal do sintoma e na luta pelo controle da relação paciente-terapeuta).
Que situações tornam necessária uma intervenção diretiva do terapeuta? Em especial todas aquelas em que o paciente (e/ou o grupo) se encontrem sem os indispensáveis recursos egóicos (isto é, sem os mecanismos adaptativos em força e diversidade suficientes) para manejar uma situação traumática, sendo em geral vítimas de uma ansiedade excessiva, que tende a ser em si mesma invalidante ou agravante das dificuldades próprias da situação (situações de crises súbitas em pessoas ou grupos de moderado ajustamento prévio; mudanças evolutivas “normais” em personalidades ou grupos que gozam de um equilíbrio precário, com carência, ou tendência à perda, de autonomia; psicoses agudas; deterioramentos de origem diversa). Em todos estes casos (situados nos momentos de desorganização ou em fases regressivas de uma evolução), sem dúvida muito freqüentes na prática terapêutica, determinadas intervenções diretivas são estritamente indicadas, constituem a intervenção técnica cuja escolha se impõe. Até quando? Até o preciso instante em que o paciente recupera ou adquire recursos egóicos necessários para obter autonomia e capacidade de elaboração.